domingo, 29 de dezembro de 2024

1553 – Potosí

O alcaide e o galã

Não dorme sozinha – diz alguém. – Dorme com esse aí.
E o apontam. O preferido da moça é um soldado de boa postura e com mel nos olhos e na voz. Dom Diego mastiga o despeito e resolve esperar.
A oportunidade chega uma noite, em uma das casas de jogo de Potosí, vinda na mão de um frade que tinha jogado o dinheiro das esmolas. Um mago dos baralhos está recolhendo os frutos de seu ofício quando o padre depenado deixa cair um braço, tira um punhal da batina e crava a mão dele no tapete. O galã, que anda por ali por pura curiosidade, se mete na briga.
Vão todos presos.
Toca ao alcaide, dom Diego, decidir. Encara o galã e oferece:
Multa ou chibata.
Multa, não posso pagar. Sou pobre, mas fidalgo de sangue puro e solar conhecido.
Doze chibatadas para este príncipe – decide o alcaide.
A um fidalgo espanhol! protesta o soldado.
Conte-me isso pela outra orelha, porque esta não te crê – diz dom Diego e senta-se para desfrutar as chibatadas.
Quando o desamarram, o castigado amante ameaça:
Em vossas orelhas, senhor alcaide, cobrarei vingança. As empresto a vós por um ano. Podeis usá-las por um ano, mas são minhas.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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