terça-feira, 1 de outubro de 2024

Karin



Santana, que trabalha comigo na mesma portaria, perguntou se eu não sentia saudades de Maracaú. Saí de Maracaú quando tinha dezesseis anos e nunca havia comido um pedaço de pão, fui comer pão pela primeira vez aqui. Por que ia sentir saudades de um lugar onde não tinha sapatos e passava fome?
Mas foi à forra, hein, Gordo? Agora come pão sem parar, disse Santana, é por isso que está gordo, as madames aqui não comem pão para não engordar.
Não sou madame, respondi, posso engordar quanto quiser, as coisas de que eu mais gosto são pão com manteiga e doce de leite, vou deixar de comer isso só para ficar com corpo de madame?
Tirei uma barra de doce de leite da gaveta e fiquei comendo, que coisa danada de boa.
Aqui no prédio fazemos rodízio, de tantos em tantos dias mudamos de horário. Eu já sabia que no domingo de carnaval ia trabalhar a noite toda, mas não me incomodava de trabalhar de noite, eu ficava ouvindo rádio, gosto de ouvir rádio, de ficar ouvindo aqueles caras conversando, a gente aprende muita coisa, ouvindo rádio.
Uma mocinha estrangeira chamada Karin veio passar férias na cidade e foi morar com a família do apartamento 412. Ela era muito bonita, tinhas pernas grossas e muito brancas, era grandona, apesar de ser ainda uma menina. Outro dia ela conversava com aquela voz esquisita dela com sua amiguinha, a Lulu, que mora no 412, e dizia que precisava fazer um regime porque estava muito gorda. A Lulu respondeu que ia lhe ensinar um regime e que ela ia perder cinco quilos em uma semana.
Tive vontade de dizer para Karin, não faça isso, não fique magrela como a Lulu, que tem um corpo parecido com uma daquelas moças que passam fome lá na minha terra. Mas não disse nada, a Lulu era boa menina, podia se aborrecer comigo.
Eu não tinha mulher, elas não queriam saber de mim, me chamavam pelo apelido, Gordo. Todo mundo me conhecia como Gordo, e eu era gordo mesmo, estava pesando noventa quilos e era baixinho. Como não tinha mulher o jeito era fazer o que fazia, me trancar no banheiro com uma daquelas revistas de mulher nua jogadas na lixeira e fazer o que tinha de fazer. O Santana tinha mulher, mas vivia brigando com ela. Eu gostaria de ter uma mulher, mas não tinha e não brigava com ninguém e era feliz. Estou economizando um dinheiro, não sei o que vou fazer com ele, talvez comprar uma casinha no subúrbio quando me aposentar, eu não quero me mudar desta cidade, a minha casinha pode ser pequena, mas tem que ter um quintal com um pé de manga, sou louco por manga.
Então chegou o domingo de carnaval. Entrei na portaria às dez horas, ia trabalhar até as seis da manhã de segunda-feira. Pouco depois Lulu e Karin saíram vestidas com roupas coloridas e pernas de fora. A roupa de Karin deixava ver também parte dos seios dela, grandes e bonitos, como tudo nela. Elas estavam muito alegres e Lulu, que sabia que eu era louco por doce de leite, me deu uma enorme barra de doce de leite. Vamos a um baile de carnaval, Gordo, disse Lulu.
Comi todo o doce de leite em menos de meia hora. Que maravilha, aquilo me deu uma sensação boa, sempre que como doce de leite ou pão com manteiga eu sinto uma coisa boa no meu corpo.
Eram mais ou menos duas da manhã quando um táxi parou na porta do prédio e Karin saltou dele. Entrou cambaleante e eu perguntei, a Lulu não veio? Karin disse na voz enrolada dela que havia bebido demais e não estava se sentindo bem.
Então ela cambaleou mais um pouco e se agarrou em mim. Senti os peitos dela encostarem no meu corpo, eu nunca tive uma mulher assim tão próximo de mim e senti o meu pau ficar igual como ficava no banheiro quando eu fazia aquilo olhando a revista de mulher pelada.
Estou precisando deitar um pouco, ela disse da maneira estranha dela. Deita aqui no meu quarto, eu disse. Os porteiros tinham um quarto, que ficava atrás dos elevadores.
Levei Karin até o quarto e deitei ela na cama. Suas pernas gordas ficaram todas de fora e vi a calcinha dela. Uma coisa como um choque elétrico correu pelo meu corpo e eu me curvei sobre ela, arranquei sua calcinha e procurei como um louco o lugar onde ia enfiar o meu pau.
Demorei a achar o buraco, era a minha primeira vez, até que achei e o pau foi entrando com dificuldade e eu logo gozei como acontecia no banheiro.
Então notei que Karin estava chorando.
Desculpa, eu disse, me perdoa, não conta isso para ninguém, promete.
Ela disse soluçando alguma coisa que entendi como dar queixa na polícia, que eu tinha que ser preso.
Me desculpe, me desculpe, eu disse, não faço mais isso, juro por Deus.
Ela levantou-se da cama dizendo que eu ia ser preso, que eu era um criminoso. Eu a segurei e disse, promete, promete, e ela repetia, vai ser preso, vai ser preso. Eu a agarrei pelo pescoço. Sacudi, promete, anda, promete.
Quando ela calou a boca eu a larguei e Karin caiu no chão, com olhos abertos esbugalhados.
Sentei na cama. Rezei um padre-nosso, pedindo perdão a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas mesmo assim eu ia para o inferno depois de ter feito aquilo.
Abri com dificuldade o pesado tampo de cimento da caixa-d’água do prédio, que ficava no subsolo. Depois peguei o corpo da menina e joguei dentro da caixa-d’água e tapei novamente.
Continuei pedindo perdão a Jesus Cristo enquanto fazia uma mochila com alguma roupa. Saí do prédio, abandonei o serviço, mais uma coisa errada que eu fazia.
Fiquei sentado na porta do banco onde eu tinha a minha poupança, esperando ele abrir. Ia pegar o dinheiro e fugir. Para onde? Para o inferno eu sabia que ia, mas isso quando morresse.
Tirei todo o meu dinheiro da poupança. Se eu fugisse para algum lugar bem longe e pudesse comprar uma casa com um pequeno quintal com um pé de manga, talvez o meu sofrimento diminuísse.

Rubem Fonseca, em Ela e Outra Mulheres

Nenhum comentário:

Postar um comentário