Santana,
que trabalha comigo na mesma portaria, perguntou se eu não sentia
saudades de Maracaú. Saí de Maracaú quando tinha dezesseis anos e
nunca havia comido um pedaço de pão, fui comer pão pela primeira
vez aqui. Por que ia sentir saudades de um lugar onde não tinha
sapatos e passava fome?
Mas
foi à forra, hein, Gordo? Agora come pão sem parar, disse Santana,
é por isso que está gordo, as madames aqui não comem pão para não
engordar.
Não
sou madame, respondi, posso engordar quanto quiser, as coisas de que
eu mais gosto são pão com manteiga e doce de leite, vou deixar de
comer isso só para ficar com corpo de madame?
Tirei
uma barra de doce de leite da gaveta e fiquei comendo, que coisa
danada de boa.
Aqui
no prédio fazemos rodízio, de tantos em tantos dias mudamos de
horário. Eu já sabia que no domingo de carnaval ia trabalhar a
noite toda, mas não me incomodava de trabalhar de noite, eu ficava
ouvindo rádio, gosto de ouvir rádio, de ficar ouvindo aqueles caras
conversando, a gente aprende muita coisa, ouvindo rádio.
Uma
mocinha estrangeira chamada Karin veio passar férias na cidade e foi
morar com a família do apartamento 412. Ela era muito bonita, tinhas
pernas grossas e muito brancas, era grandona, apesar de ser ainda uma
menina. Outro dia ela conversava com aquela voz esquisita dela com
sua amiguinha, a Lulu, que mora no 412, e dizia que precisava fazer
um regime porque estava muito gorda. A Lulu respondeu que ia lhe
ensinar um regime e que ela ia perder cinco quilos em uma semana.
Tive
vontade de dizer para Karin, não faça isso, não fique magrela como
a Lulu, que tem um corpo parecido com uma daquelas moças que passam
fome lá na minha terra. Mas não disse nada, a Lulu era boa menina,
podia se aborrecer comigo.
Eu
não tinha mulher, elas não queriam saber de mim, me chamavam pelo
apelido, Gordo. Todo mundo me conhecia como Gordo, e eu era gordo
mesmo, estava pesando noventa quilos e era baixinho. Como não tinha
mulher o jeito era fazer o que fazia, me trancar no banheiro com uma
daquelas revistas de mulher nua jogadas na lixeira e fazer o que
tinha de fazer. O Santana tinha mulher, mas vivia brigando com ela.
Eu gostaria de ter uma mulher, mas não tinha e não brigava com
ninguém e era feliz. Estou economizando um dinheiro, não sei o que
vou fazer com ele, talvez comprar uma casinha no subúrbio quando me
aposentar, eu não quero me mudar desta cidade, a minha casinha pode
ser pequena, mas tem que ter um quintal com um pé de manga, sou
louco por manga.
Então
chegou o domingo de carnaval. Entrei na portaria às dez horas, ia
trabalhar até as seis da manhã de segunda-feira. Pouco depois Lulu
e Karin saíram vestidas com roupas coloridas e pernas de fora. A
roupa de Karin deixava ver também parte dos seios dela, grandes e
bonitos, como tudo nela. Elas estavam muito alegres e Lulu, que sabia
que eu era louco por doce de leite, me deu uma enorme barra de doce
de leite. Vamos a um baile de carnaval, Gordo, disse Lulu.
Comi
todo o doce de leite em menos de meia hora. Que maravilha, aquilo me
deu uma sensação boa, sempre que como doce de leite ou pão com
manteiga eu sinto uma coisa boa no meu corpo.
Eram
mais ou menos duas da manhã quando um táxi parou na porta do prédio
e Karin saltou dele. Entrou cambaleante e eu perguntei, a Lulu não
veio? Karin disse na voz enrolada dela que havia bebido demais e não
estava se sentindo bem.
Então
ela cambaleou mais um pouco e se agarrou em mim. Senti os peitos dela
encostarem no meu corpo, eu nunca tive uma mulher assim tão próximo
de mim e senti o meu pau ficar igual como ficava no banheiro quando
eu fazia aquilo olhando a revista de mulher pelada.
Estou
precisando deitar um pouco, ela disse da maneira estranha dela. Deita
aqui no meu quarto, eu disse. Os porteiros tinham um quarto, que
ficava atrás dos elevadores.
Levei
Karin até o quarto e deitei ela na cama. Suas pernas gordas ficaram
todas de fora e vi a calcinha dela. Uma coisa como um choque elétrico
correu pelo meu corpo e eu me curvei sobre ela, arranquei sua
calcinha e procurei como um louco o lugar onde ia enfiar o meu pau.
Demorei
a achar o buraco, era a minha primeira vez, até que achei e o pau
foi entrando com dificuldade e eu logo gozei como acontecia no
banheiro.
Então
notei que Karin estava chorando.
Desculpa,
eu disse, me perdoa, não conta isso para ninguém, promete.
Ela
disse soluçando alguma coisa que entendi como dar queixa na polícia,
que eu tinha que ser preso.
Me
desculpe, me desculpe, eu disse, não faço mais isso, juro por Deus.
Ela
levantou-se da cama dizendo que eu ia ser preso, que eu era um
criminoso. Eu a segurei e disse, promete, promete, e ela repetia, vai
ser preso, vai ser preso. Eu a agarrei pelo pescoço. Sacudi,
promete, anda, promete.
Quando
ela calou a boca eu a larguei e Karin caiu no chão, com olhos
abertos esbugalhados.
Sentei
na cama. Rezei um padre-nosso, pedindo perdão a Nosso Senhor Jesus
Cristo, mas mesmo assim eu ia para o inferno depois de ter feito
aquilo.
Abri
com dificuldade o pesado tampo de cimento da caixa-d’água do
prédio, que ficava no subsolo. Depois peguei o corpo da menina e
joguei dentro da caixa-d’água e tapei novamente.
Continuei
pedindo perdão a Jesus Cristo enquanto fazia uma mochila com alguma
roupa. Saí do prédio, abandonei o serviço, mais uma coisa errada
que eu fazia.
Fiquei
sentado na porta do banco onde eu tinha a minha poupança, esperando
ele abrir. Ia pegar o dinheiro e fugir. Para onde? Para o inferno eu
sabia que ia, mas isso quando morresse.
Tirei
todo o meu dinheiro da poupança. Se eu fugisse para algum lugar bem
longe e pudesse comprar uma casa com um pequeno quintal com um pé de
manga, talvez o meu sofrimento diminuísse.
Rubem Fonseca, em Ela e Outra Mulheres
Nenhum comentário:
Postar um comentário