sábado, 5 de outubro de 2024

Cartas na Rua | SEIS




1

Eu estava sentado junto a uma jovem que não sabia o seu esquema muito bem.
Para onde vai a Roteford nº 2900? — ela me perguntou.
Tente encaixar no 33 — eu disse.
O supervisor falava com ela.
Você disse que é de Kansas City? Meus pais são de Kansas City.
É mesmo?
Então ela me perguntou:
E que tal a Meyers, 8.400?
Mande para o 18.
Ela estava um pouco acima do peso, mas era das boas. Deixei passar. Eu estava cansado de mulheres por um tempo.
O supervisor estava parado de pé, bem perto dela.
Você mora longe do trabalho?
Não.
Gosta do seu trabalho?
Ah, sim.
Ela se virou para mim.
E a Albany, 6.200?
16.
Quando terminei meu lote, o supervisor falou comigo:
Chinaski, contei seu tempo naquele lote. Foram 28 minutos.
Não respondi.
Sabe qual é o tempo padrão para aquele lote?
Não, não sei.
Há quanto tempo está aqui?
Onze anos.
Está aqui há onze anos e não sabe qual é o tempo padrão?
Exato.
Você carimba as cartas como se não desse a mínima.
A garota ainda tinha uma pilha cheia na frente dela. Tínhamos começado nossas pilhas juntos.
E você não parou de conversar com essa funcionária ao seu lado.
Acendi um cigarro.
Chinaski, venha aqui um minuto.
Ele parou em frente às caixas de latão e apontou. Todos os funcionários estavam carimbando bem rápido agora. Fiquei a observar o modo como moviam freneticamente seus braços direitos. Até a gorducha estava sentando a mão.
Vê aqueles números pintados na base da caixa?
Sim.
Aqueles números indicam o número de peças que devem ser carimbadas num minuto. Uma pilha de sessenta centímetros deve ser carimbada em 23 minutos. Você ultrapassou o tempo em cinco minutos.
Ele apontou para o número 23.
O padrão é 23 minutos.
Aquele 23 não significa coisa nenhuma — eu disse.
Como é que é?
Quero dizer que algum cara veio e pintou esse 23 com uma lata de tinta.
Não, não, esse tempo foi testado e retestado ao longo dos anos.
De que adiantava contestar? Não respondi.
Vou ser obrigado a pôr você no relatório, Chinaski. Será julgado por isso.
Voltei e me sentei. Onze anos! Não tinha dez centavos a mais no meu bolso do que quando entrara ali pela primeira vez. Onze anos. Embora cada noite tivesse sido longa, os anos tinham passado rápido. Talvez por se tratar de um serviço noturno. Ou por fazer a mesma coisa vez após vez. Ao menos com o Stone eu nunca sabia o que esperar. Aqui não havia qualquer surpresa.
Onze anos como um tiro na cabeça. Eu tinha visto o emprego devorar os homens. Eles pareciam derreter. Lá estava Jimmy Potts do Posto Dorsey. Da primeira vez que cheguei lá, Jimmy era um cara musculoso em sua camiseta branca. Agora estava liquidado. Colocava seu banco o mais próximo do chão possível, e se agarrava para não cair. Vivia de tal maneira cansado que já nem cortava o cabelo e usava as mesmas calças há três anos. Trocava as camisas duas vezes por semana e caminhava bem devagar. Tinham-no assassinado. Estava com 55 anos. Faltavam sete para ele se aposentar.
Nunca vou conseguir — ele me disse.
Ou derretiam ou engordavam, enormes, especialmente na bunda e na barriga. Era o banquinho, e os mesmos movimentos e a mesma conversa. E lá estava eu, sofrendo de tonturas e dores nos braços, pescoço, peito, por toda parte. Dormia o dia para conseguir descansar e estar apto ao trabalho. Nos fins de semana, tinha de beber para esquecer a rotina. Eu pesava 83 quilos quando cheguei. Agora estava com 101 quilos. A única coisa que você mexia por ali era o braço direito.

Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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