Creio
que sou a única mulher que vive sozinha num povoado fantasma. Aqui,
faço as vezes de guia. Ofereço folhetos que falam da história do
salitre, ofereço fotos antigas, revistas Écran, bonecas de
pano, caminhõezinhos de lata, coisas que encontro quando percorro as
casas abandonadas.
Algumas
pessoas que vêm ver os restos deste salitral abandonado me
perguntam, atônitas, como pudemos viver nesses descampados.
Acham
que a paisagem é pouco menos que a de uma província do inferno.
E
eu respondo, orgulhosa, que para nós era o paraíso. Conto a vida
que levávamos no povoado. Aqui ninguém morria de fome. Aqui um
ajudava o outro. De noite podíamos dormir com a porta aberta que não
acontecia nada. Os visitantes me escutam incrédulos. Alguns, com uma
certa pena. Não faltam os que me chamam de saudosista. De romântica.
De folhetinesca.
Muitos
acham que sou louca.
Não
me importa. Pelo contrário: quando estou mais inspirada, faço com
que venham até esta casa – ou o que restou dela –, que é a casa
onde morei minha vida inteira. E aqui conto para eles a história da
menina contadora de filmes. E me escutam assombrados. Principalmente
os jovens; no mundo tecnológico de agora, uma contadora de histórias
é, para eles, inacreditável.
Ao
entardecer, quando eles se retiram em seus veículos para as suas
cidades, volto a ser o que sou: o fantasma de uma aldeia abandonada.
Ou
serei uma estátua de sal?
Então,
subo até a torre da igreja para contemplar o horizonte. Cada
crepúsculo é como a panorâmica final de um velho filme, um filme
em tecnicolor e cinemascope – e o ruído do vento batendo nas
chapas de zinco é a trilha sonora. Um filme repetido dia após dia.
Às vezes triste, às vezes menos triste.
Mas
o final é sempre o mesmo:
Ao
fundo dessa grande tela entardecida vejo meu pai se afastar em sua
poltrona de rodas, vejo meus irmãos se afastarem, um a um, e minha
mãe com seus lenços de seda ao vento. Vejo-os irem como se fossem
os habitantes da Mina, vejo-os se dissiparem no horizonte como se
fossem uma miragem, enquanto a música vai se apagando pouco a pouco
e em cima de suas silhuetas emerge rotunda, fatal, a palavra que
ninguém na vida quer ler:
[FIM]
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
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