quarta-feira, 30 de outubro de 2024

A Contadora de Filmes | [43]


Creio que sou a única mulher que vive sozinha num povoado fantasma. Aqui, faço as vezes de guia. Ofereço folhetos que falam da história do salitre, ofereço fotos antigas, revistas Écran, bonecas de pano, caminhõezinhos de lata, coisas que encontro quando percorro as casas abandonadas.
Algumas pessoas que vêm ver os restos deste salitral abandonado me perguntam, atônitas, como pudemos viver nesses descampados.
Acham que a paisagem é pouco menos que a de uma província do inferno.
E eu respondo, orgulhosa, que para nós era o paraíso. Conto a vida que levávamos no povoado. Aqui ninguém morria de fome. Aqui um ajudava o outro. De noite podíamos dormir com a porta aberta que não acontecia nada. Os visitantes me escutam incrédulos. Alguns, com uma certa pena. Não faltam os que me chamam de saudosista. De romântica. De folhetinesca.
Muitos acham que sou louca.
Não me importa. Pelo contrário: quando estou mais inspirada, faço com que venham até esta casa – ou o que restou dela –, que é a casa onde morei minha vida inteira. E aqui conto para eles a história da menina contadora de filmes. E me escutam assombrados. Principalmente os jovens; no mundo tecnológico de agora, uma contadora de histórias é, para eles, inacreditável.
Ao entardecer, quando eles se retiram em seus veículos para as suas cidades, volto a ser o que sou: o fantasma de uma aldeia abandonada.
Ou serei uma estátua de sal?
Então, subo até a torre da igreja para contemplar o horizonte. Cada crepúsculo é como a panorâmica final de um velho filme, um filme em tecnicolor e cinemascope – e o ruído do vento batendo nas chapas de zinco é a trilha sonora. Um filme repetido dia após dia. Às vezes triste, às vezes menos triste.
Mas o final é sempre o mesmo:
Ao fundo dessa grande tela entardecida vejo meu pai se afastar em sua poltrona de rodas, vejo meus irmãos se afastarem, um a um, e minha mãe com seus lenços de seda ao vento. Vejo-os irem como se fossem os habitantes da Mina, vejo-os se dissiparem no horizonte como se fossem uma miragem, enquanto a música vai se apagando pouco a pouco e em cima de suas silhuetas emerge rotunda, fatal, a palavra que ninguém na vida quer ler:
[FIM]

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

Nenhum comentário:

Postar um comentário