sábado, 5 de outubro de 2024

12 de maio de 1958

Um sorriso suave embelezava seu rosto de senhora de cinquenta e dois anos. Cumpriam-se doze da morte de Pedro Henriquez Urena.
Ambos o recordamos e ela repetiu o que me havia dito em 1946: para minha juventude, a perda era irreparável, porém nada apagaria em mim a lembrança de meu grande mestre. Vaguei pelo quarto. Os olhos de minha mãe não se despegavam de mim. Condenada por uma cruel doença cardíaca, jamais manifestou cansaço ou queixou-se, e foi fonte de vida e de solidariedade para com os demais. Quando decidi retirar-me, reteve minhas mãos nas suas e me disse: Não permitas que te destruam. Adormeci pensando nessas palavras. Durante a noite sonhei que resolvia vários assuntos na cidade e em La Plata, e que os mesmos me angustiavam, embora não fossem de natureza que justificassem esta sensação. Pela manhã avisaram-me que minha mãe havia morrido.
Corri ao apartamento de Viamonte, junto a Maipú. Já se estavam cumprindo as primeiras formalidades próprias de tão triste circunstância. Na primeira pausa de minha dor abri, com segurança, a gaveta de sua mesinha. Aí estava a carta, escrita na véspera com sua serena letra inglesa. Pedia-me que tratasse de vários assuntos em Buenos Aires e em La Plata: eram aqueles assuntos com que eu havia sonhado.

Roy Bartholomew, em Livro de Sonhos, de Jorge Luis Borges

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