segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Os Nascimentos | 1544 – Campeche

Las Casas

Faz tempo que espera, aqui no porto, tendo como única companhia o calor e os mosquitos. Perambula pelo cais, descalço, escutando o vaivém do mar e o golpear de seu cajado, passo a passo, sobre as pedras. Ninguém oferece uma palavra ao recém-ungido bispo de Chiapas.
Este é o homem mais odiado da América, o anti-Cristo dos senhores coloniais, o açoite destas terras. Por sua culpa, o imperador promulgou novas leis que despojam de escravos índios os filhos dos conquistadores. O que será deles sem os braços que os sustentam nas minas e nas lavouras? As novas leis estão arrancando a comida de suas bocas.
Este é o homem mais amado da América. Voz dos mudos, teimoso defensor dos que recebem pior tratamento que o esterco das praças, denunciador de quem por cobiça converte Jesus Cristo no mais cruel dos deuses e o rei em lobo faminto de carne humana.
Nem bem desembarcou em Campeche, frei Bartolomé de Las Casas anunciou que nenhum dono de índios seria absolvido na confissão. Responderam-lhe que aqui não valiam suas credenciais de bispo nem valiam tampouco as novas leis, porque tinham chegado em letras de forma e não de punho e letra dos escrivães do rei. Ameaçou com a excomunhão, e deram risada. Riram forte, gargalharam, porque frei Bartolomé tem fama de surdo.
Esta tarde chegou o mensageiro da Cidade Real de Chiapas. O cabildo manda dizer que estão vazios os cofres para pagar a viagem do bispo até sua diocese, e manda-lhe moedas da cota de enterros.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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