quarta-feira, 18 de setembro de 2024

O medo do encontro também

Embora só tenha lido trechos de Fernando Pessoa, quando comecei tão tarde a ser introduzida no seu mundo por uma amiga, assustei-me deveras: não quero saber mais, senão para sempre sairei de meu mundo, encantado e tortuoso de suspeitas, e entrarei por uma claridade que temo – pois, sem saber explicar, parece-me que a claridade nega a si mesma.
Não tenha medo, diz a amiga compassiva, sem saber você já tem Fernando Pessoa dentro de você. Com isso ela não queria dizer que me “pareço” com ele. Mas o medo do mundo me ser revelado de chofre me fez adiar um encontro maior até hoje. Pelo que minha amiga já me recitou dele, receio nunca mais poder prosseguir nas minhas penumbrosas e cruéis e deliciosas adivinhações que me matam de incerteza, me fazem me aprofundar em mim mesma.
E se souber que alguém, ou muitos alguéns não adivinharem apenas: souberam... que farei de mim sem meus passos incertos que é o meu modo de andar, de retroceder, de avançar? A tortura de escrever – nos livros – tem sido também o meu prazer.

Clarice Lispector, em Todas as crônicas

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