Embora
só tenha lido trechos de Fernando Pessoa, quando comecei tão tarde
a ser introduzida no seu mundo por uma amiga, assustei-me deveras:
não quero saber mais, senão para sempre sairei de meu mundo,
encantado e tortuoso de suspeitas, e entrarei por uma claridade que
temo – pois, sem saber explicar, parece-me que a claridade nega a
si mesma.
Não
tenha medo, diz a amiga compassiva, sem saber você já tem Fernando
Pessoa dentro de você. Com isso ela não queria dizer que me
“pareço” com ele. Mas o medo do mundo me ser revelado de chofre
me fez adiar um encontro maior até hoje. Pelo que minha amiga já me
recitou dele, receio nunca mais poder prosseguir nas minhas
penumbrosas e cruéis e deliciosas adivinhações que me matam de
incerteza, me fazem me aprofundar em mim mesma.
E
se souber que alguém, ou muitos alguéns não adivinharem apenas:
souberam... que farei de mim sem meus passos incertos que é o meu
modo de andar, de retroceder, de avançar? A tortura de escrever –
nos livros – tem sido também o meu prazer.
Clarice Lispector, em Todas as crônicas
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