quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Guiomar


Meu pai sempre dizia, quando for escolher uma mulher, escolha uma que saiba lavar, passar e cozinhar. Ele tinha oitenta anos, era muito sabido. Minha mãe morreu quando eu tinha quinze anos. Lembro-me dela, sempre no tanque, ou passando roupa, ou na cozinha, bem-disposta, gorda e corada. Morreu dormindo. Não demorou para o velho botar outra mulher dentro de casa, o velho aos oitenta anos ainda dava no couro. E depois outra, e quando entrava uma nova ele me perguntava, referindo-se à anterior, aquela vaca cozinhava mal, não cozinhava? Ou então, viu como a vadia passava a roupa mal?
Morávamos no mesmo morro, mas em casas diferentes. Ele comprou para mim a casa onde moro, que tem quarto, sala, banheiro, cozinha e uma laje onde fica o tanque de lavar e onde posso apanhar sol, se quiser.
Sempre que eu levava uma mulher para casa, quando estava na cama eu perguntava, depois de foder, você sabe lavar, passar e cozinhar? A resposta era sempre a mesma, sabia. Então eu dizia, quero ver, e levava a dona para a laje onde ficava o tanque, sempre cheio de roupas sujas, e dizia, lava para eu ver.
A dona ia para a laje, lavava e dependurava a roupa na corda. Depois eu dava outra trepada nela e já era hora do almoço e eu dizia, agora você vai cozinhar para mim. Ela fazia o almoço. Se a roupa tivesse sido mal lavada e a comida estivesse uma merda, a vadia levava logo um pé na bunda.
Às vezes a comida era boa e a lavagem de roupa, uma droga, ou vice-versa, e isso criava um problema e eu consultava o velho. Ele respondia, a dona tem que saber fazer as duas coisas. De que adianta ela só saber cozinhar? Você vai andar por aí todo imundo e amassado? E se ela só souber lavar e cuidar da roupa, você vai passar fome? A tua mãe te acostumou a comer papa-fina. A vadia tem que saber as duas coisas.
Todas diziam que sabiam lavar, passar e cozinhar, mas era sempre um truque para pegar o otário. Elas queriam era mudar para a minha casa, de onde se podia ir a pé para o Leblon, e além do mais, modéstia à parte, eu era bom de cama, devia ser coisa de família, o velho estava lá para comprovar.
Por que as mulheres de hoje só sabiam fazer uma coisa, nunca eram completas, como a minha mãe? Acho que é porque elas viam televisão demais, lavar roupa, na televisão, era sempre tarefa de preta fodida, cozinhar a mesma coisa.
Eu andava paquerando uma dona chamada Guiomar, ela fazia o maior cu-doce, dava beijinhos mas não deixava eu pegar nos seus peitos nem passar a mão na sua bunda. Só que ela era tão gostosa que eu me enchi de paciência e entrei no jogo dela, sabia que aos poucos ia conseguir o que queria. Primeiro ela deixou eu pegar nos peitinhos, depois lamber os biquinhos, depois passar o dedo no grelinho. Mas isso demorou um tempo enorme.
Afinal, depois de seis meses consegui levá-la para a minha casa, para a cama. Antes de fodermos Guiomar me disse que só tivera até então um homem em sua vida, mas que ele não era boa bisca e ela se livrara do sujeito. Disse ainda que confiava em mim, que eu era uma boa pessoa, honesto e trabalhador. Isso eu era mesmo, trabalhava de porteiro no mesmo prédio havia mais de três anos e todos os moradores gostavam de mim.
Nunca pensei que foder fosse uma coisa tão boa. Se quisesse contar como foi a minha trepada com Guiomar, eu tinha que ser um escritor daqueles que escrevem livros grossos cheios de páginas. O que eu sei é que depois de fodermos não sei quantas vezes eu fiquei deitado na cama, ela com a cabeça em cima do meu peito, feliz como nunca.
Então me lembrei de perguntar se ela sabia lavar, passar e cozinhar. Não sei, meu amor, ela respondeu, trabalho de caixa no supermercado, almoço no trabalho e quando chego em casa janto sopa dessas de envelope que você põe numa xícara grande, joga água fervendo, mexe e pronto, é só comer. Você já tomou essa sopa? É baratinho, no meu supermercado tem de galinha, carne, dez legumes, ervilha com pedacinhos de torrada, brócolis e uma porção de outras, eu gosto da de galinha.
Eu nunca tinha comido uma merda daquelas e duvido que o meu velho também tivesse. Guiomar não sabia lavar, passar nem cozinhar e eu devia dar um pé na bunda dela, mas não dei. Pensei, vou foder mais uma vez depois boto para escanteio.
E fodi mais uma, mais duas, mais três. Fodi o mês inteiro e mais outro mês e não botei ela para corner. Eu estava apaixonado. Perguntei se ela queria morar comigo. Ela queria. O morro onde Guiomar morava era longe do Leblon, onde ficava o supermercado em que ela trabalhava.
Guiomar mudou para minha casa. Aprendi a cozinhar e a lavar. Guiomar entra às nove horas no supermercado e eu, que sou porteiro da noite, fico em casa, lavo a roupa e ponho para secar num varal na laje, cozinho e deixo o jantar pronto.
Jantamos juntos antes de eu ir trabalhar. Quando volto, Guiomar ainda está dormindo e eu deito na cama e fodo ela ainda dormindo e ela acorda e diz que me ama e eu digo que a amo e fodemos novamente.
Meu pai não sabe nada disso. Se souber, ele me mata. Ontem o velho disse, qualquer domingo desses vou almoçar na sua casa com a minha dona. Puta merda, como vou sair dessa? Não quero matar o velho de desgosto.

Rubem Fonseca, em Ela e Outras Mulheres

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