segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Cartas na Rua | Quatro

 


16

Os tumultos terminaram, o bebê se acalmou, e descobri alguns truques para escapar de Janko. Mas as tonturas persistiam. O médico me receitou umas cápsulas tranquilizantes e elas ajudaram um pouco.
Certa noite, me levantei para tomar um gole d’água. Depois retornei, trabalhei meia hora e fui para meu descanso de dez minutos.
Quando voltei a me sentar, Chambers, o supervisor, um loiro alto, veio correndo:
Chinaski! Finalmente você cavou sua sepultura. Esteve fora por quarenta minutos!
Em outra noite, tempos atrás, Chambers tinha caído no chão, num surto, espumando e se contorcendo. Levaram-no de maca. Na noite seguinte a essa, ele voltou, de gravata, camisa nova, como se nada tivesse acontecido. Agora vinha com essa conversa para boi dormir para cima de mim.
Veja bem, Chambers, seja compreensivo. Tomei um gole de água, me sentei, trabalhei trinta minutos, depois saí para o intervalo. Fiquei lá fora dez minutos.
Você cavou sua sepultura, Chinaski. Ficou lá fora durante quarenta minutos! Tenho sete testemunhas!
Sete testemunhas?
SIM, sete!
É como eu disse, foram dez minutos.
Não! Dessa vez pegamos você, Chinaski! Pegamos com a boca na botija!
O fato era que eu estava cansado daquilo. Não quis mais nem olhar para ele:
Tudo bem, então. Fiquei lá fora por quarenta minutos. Faça o que bem entender. Registre uma queixa.
Chambers saiu correndo.
Carimbei mais algumas cartas, então o supervisor-geral se aproximou. Um sujeito magro e branco, com pequenos tufos de cabelos grisalhos pendendo acima das orelhas. Olhei para ele e voltei e carimbar mais algumas cartas.
Sr. Chinaski, estou certo de que o senhor conhece as regras e o regulamento dos Correios. Cada funcionário tem direito a dois descansos de dez minutos, um antes do almoço, outro depois do almoço. O direito de descanso é garantido pelo acordo: dez minutos. Dez minutos são...
PORRA DO CARALHO!
Joguei minhas cartas no chão.
Só admiti que tinha sido um intervalo de quarenta minutos para satisfazer vocês e para que me largassem de mão. Mas vocês não conseguem dar uma folga! Agora retiro o que disse! Só fiquei lá fora por dez minutos! Quero ver quem são suas sete testemunhas! Traga-as já até aqui!

Dois dias depois eu estava no hipódromo. Dei uma olhada ao redor e vi todos esses dentes, esse enorme sorriso e uns olhos brilhando, amigavelmente. Quem era — com todos aqueles dentes? Olhei mais de perto. Era o Chambers olhando para mim, sorrindo e parado em uma fila de café. Eu tinha uma cerveja na mão. Me aproximei de uma lata de lixo e, sem tirar os olhos dele, cuspi tudo. Depois me afastei. Chambers nunca mais voltou a me incomodar.

Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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