Sobre o fogo que ardia no fogão de cupim uma panela de ferro coberta com uma tampa de lata de óleo de 18 litros, com brasas em cima. (Você nunca ouviu falar de fogão de cupim? Explico. Arranca-se inteira uma daquelas casas de cupim de forma cônica que se vê pelos pastos; tira-se a terra do seu interior fazendo um oco; corta-se a ponta do cone fazendo um buraco, e é só pôr fogo dentro do vazio do cupim... O fogão está pronto.) Um “bolo de panela”. É preciso dizer o que é “bolo de panela” para diferenciar dos outros, que são de forno. Bolo de panela é bolo de pobre que não tem forno. As brasas na lata são para assar o topo do bolo. De fubá, com pedacinhos de queijo-de-minas. A tecnologia não era perfeita. Um momento de distração e as brasas queimavam a crosta. Mas esses pedaços queimados eram mais gostosos. A manteiga escorria no bolo quente. A Tofa cuidava do fogo, cuidava do café, cuidava do bolo de panela. Às vezes, em vez de bolo de panela era pipoca. Podia ser que nos assentássemos à volta da mesa nos bancos compridos e se usasse o tempo para escolher feijão ou debulhar milho de pipoca para o dia seguinte. Nas noites de chuva, os pingos das goteiras tocavam música nas panelas espalhadas pelo chão. Meu pai gostava da música das goteiras. Ele dizia que elas o faziam dormir. Nas noites de julho, muito frio, a gente se assentava à volta de um tacho de cobre cheio de brasas e punha os pés nos pauzinhos dos tamboretes, pra quentar fogo. Apagava-se a luz e os rostos apareciam vermelhos sobre um fundo escuro. Os pintores flamengos gostavam desse jogo de vermelho e negro.
Rubem Alves, em Do universo à jabuticaba
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