sábado, 14 de setembro de 2024

A Contadora de Filmes


[36]

O dia que chegou o primeiro aparelho de televisão no povoado foi um verdadeiro espetáculo.
Dom Primitivo, o dono da confeitaria, havia propagado aos quatro ventos que estava viajando até o porto para trazer “um rádio com desenhos animados”. Inclusive já tinha mandado fazer uma antena de cobre de seis metros de altura. E com isso, na tarde em que desembarcou com uma enorme caixa de papelão como única bagagem, metade do povoado estava esperando por ele.
O mais corpulento dos jovens botou no ombro a caixa que dizia Westinghouse e começou a andar rodeado pela multidão. Enquanto um bando de meninos saltava ao seu redor tratando de tocar a caixa, os mais velhos, excitados pela emoção, diziam a ele que andasse devagarinho, que aqueles bicharocos eram delicados. Como se de verdade tivesse se tratado da imagem da Virgem de Tirana, o aparelho chegou na confeitaria seguido por uma verdadeira procissão de fiéis.
Isso foi o que me contaram depois. Naquela hora eu estava vendo um filme de caubói, com Gary Cooper. Quando cheguei em casa não havia ninguém me esperando. Preparei uma xícara de chá, que tomei tratando de pensar em nada mais além do filme que tinha acabado de ver.
Esperei um pouco, sentada à mesa.
Depois, pus o cinturão com os revólveres de pau e o chapéu de aba larga, e na frente do espelho comecei a treinar o “olhar de aço” de Gary Cooper. Treinei um pouco o “saque”: puxava os revólveres o mais rápido possível, atirava, fazia com que girassem em meu dedo indicador e tornava a colocá-los no coldre.
Fazia pouco que eu tinha aprendido que os caubóis engraxavam as cartucheiras e poliam a mira para sacar mais rápido. Meus revólveres não tinham mira, portanto eu só precisava engraxar as cartucheiras. Pensei: amanhã mesmo vou conseguir um pedaço de graxa no armazém.
Depois fiquei parada na porta.
Mas não chegou ninguém.
Alguém passou correndo e me gritou da outra calçada que todo mundo estava lá no dom Primitivo, vendo a novidade da televisão.
Fechei a casa e fui ver que alvoroço era aquele.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

Nenhum comentário:

Postar um comentário