segunda-feira, 30 de setembro de 2024

A Contadora de Filmes | [39]


Quando a televisão chegou, fazia uma semana que tinham levado meu irmão para a cadeia.
Certa manhã de segunda-feira, quando eu já começava a me perguntar por que ninguém da companhia mineradora vinha me comunicar que eu devia entregar a casa, apareceu o rosto vermelho do senhor administrador, emoldurado na janela.
Embora no deserto o sol jorre quase todos os dias do ano, aquela era uma dessas raras manhãs nubladas. Naquela altura eu já tinha claro que as coisas ruins me aconteciam em dias nublados. Se fosse verdade que “as aranhas só tecem em dias nublados”, como dizia meu pai que sua avó repetia sempre, minha má sorte viria a ser uma espécie de aranha das mais laboriosas.
Quando o gringo pôs a cara na janela e me chamou com seu cômico sotaque estrangeiro, eu tinha posto o vestido da minha mãe, o rendado de bolinhas vermelhas que papai odiava tanto e que em mim já ficava perfeito.
Falei para ele entrar.
Entrou me olhando do mesmo jeito que tinha me olhado no cemitério. Com aquele mesmo brilhozinho que vi nos olhos do agiota quando eu, toda boba, sentada em seus joelhos contava o filme para ele. Mas o senhor administrador tinha melhor estampa que o velho roto do agiota. E tinha os olhos azuis. As pessoas diziam que era um gringo simpático.
Usava chapéu panamá.
Fumava cachimbo.
Falava um espanhol que fazia rir.
Também se falava que era casado quando chegou por estes pagos, mas que a mulher preferiu voltar para seu país quando viu a insuportável paisagem do deserto de Atacama. “Aqui as mulheres se transformam em estátuas de sal”, dizem que ela falou.
O senhor administrador me perguntou se eu sabia que precisava entregar a casa.
Eu disse que sim.
Ele me perguntou se eu tinha para onde ir.
Eu disse que não.
Ele me perguntou se eu queria ficar.
Eu disse que sim.
Ele me perguntou se eu sabia fazer alguma outra coisa além de contar filmes.
Eu disse que não.
Então ele ficou me olhando. Sabido. Como se olhasse um cavalo de corrida.
Depois, deu uma pensativa tragada em seu cachimbo e começou a passear recortado contra a parede branca onde eu contava meus filmes. Comecei a observá-lo em silêncio. Quando parou e, com a mão no queixo tornou a me olhar, recordei – pelo seu gesto de pôr a mão no queixo – tê-lo visto em casa uma vez, falando com a minha mãe. Aquilo foi nos tempos em que meu pai ainda trabalhava.
Vamos ver o que se pode fazer por você, mocinha”, disse ele enfim.
A questão é que terminei trabalhando de empacotadora no armazém durante o dia e, durante as noites, dormindo nos braços do senhor administrador.
Embora não estivéssemos no campo, e aqui não fosse costume, eu tinha catorze anos e o gringo, cinquenta e um.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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