Quando
a televisão chegou, fazia uma semana que tinham levado meu irmão
para a cadeia.
Certa
manhã de segunda-feira, quando eu já começava a me perguntar por
que ninguém da companhia mineradora vinha me comunicar que eu devia
entregar a casa, apareceu o rosto vermelho do senhor administrador,
emoldurado na janela.
Embora
no deserto o sol jorre quase todos os dias do ano, aquela era uma
dessas raras manhãs nubladas. Naquela altura eu já tinha claro que
as coisas ruins me aconteciam em dias nublados. Se fosse verdade que
“as aranhas só tecem em dias nublados”, como dizia meu pai que
sua avó repetia sempre, minha má sorte viria a ser uma espécie de
aranha das mais laboriosas.
Quando
o gringo pôs a cara na janela e me chamou com seu cômico sotaque
estrangeiro, eu tinha posto o vestido da minha mãe, o rendado de
bolinhas vermelhas que papai odiava tanto e que em mim já ficava
perfeito.
Falei
para ele entrar.
Entrou
me olhando do mesmo jeito que tinha me olhado no cemitério. Com
aquele mesmo brilhozinho que vi nos olhos do agiota quando eu, toda
boba, sentada em seus joelhos contava o filme para ele. Mas o senhor
administrador tinha melhor estampa que o velho roto do agiota. E
tinha os olhos azuis. As pessoas diziam que era um gringo simpático.
Usava
chapéu panamá.
Fumava
cachimbo.
Falava
um espanhol que fazia rir.
Também
se falava que era casado quando chegou por estes pagos, mas que a
mulher preferiu voltar para seu país quando viu a insuportável
paisagem do deserto de Atacama. “Aqui as mulheres se transformam em
estátuas de sal”, dizem que ela falou.
O
senhor administrador me perguntou se eu sabia que precisava entregar
a casa.
Eu
disse que sim.
Ele
me perguntou se eu tinha para onde ir.
Eu
disse que não.
Ele
me perguntou se eu queria ficar.
Eu
disse que sim.
Ele
me perguntou se eu sabia fazer alguma outra coisa além de contar
filmes.
Eu
disse que não.
Então
ele ficou me olhando. Sabido. Como se olhasse um cavalo de corrida.
Depois,
deu uma pensativa tragada em seu cachimbo e começou a passear
recortado contra a parede branca onde eu contava meus filmes. Comecei
a observá-lo em silêncio. Quando parou e, com a mão no queixo
tornou a me olhar, recordei – pelo seu gesto de pôr a mão no
queixo – tê-lo visto em casa uma vez, falando com a minha mãe.
Aquilo foi nos tempos em que meu pai ainda trabalhava.
“Vamos
ver o que se pode fazer por você, mocinha”, disse ele enfim.
A
questão é que terminei trabalhando de empacotadora no armazém
durante o dia e, durante as noites, dormindo nos braços do senhor
administrador.
Embora
não estivéssemos no campo, e aqui não fosse costume, eu tinha
catorze anos e o gringo, cinquenta e um.
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
Nenhum comentário:
Postar um comentário