Na
confeitaria, com o catálogo nas mãos e ajudado pelo eletricista do
povoado, dom Primitivo estava pelejando para fazer a geringonça
funcionar. Havia sido instalada numa das prateleiras atrás do
balcão, entre os frascos de caramelos e a estantezinha dos cigarros.
O lugar estava mais cheio que nunca. Até o par de guardas, que fazia
sua primeira ronda noturna, tinha ficado para ver a novidade.
Enquanto
o eletricista verificava tomadas e conexões, dom Primitivo,
revirando o catálogo como se fosse o mapa de um tesouro de pirata,
fazia girar botões e apertava teclas como se estivesse ruim da
cabeça. Ao mesmo tempo, lá no telhado dois homens mexiam a antena
em todas as direções, conforme as pessoas lá embaixo iam gritando
em coro:
“Mais
para lá!”
“Um
pouquinho mais para cá!”
“Mais
para cá!”
“Um
pouquinho mais para lá!”
Todo
mundo ficava com os olhos grudados na tela esperando ver a qualquer
momento alguma espécie de aparição celestial.
No
entanto, com um insuportável ruído de cigarra cantando, tudo que se
via eram simples listas ou pontinhos em ebulição, algo parecido a
uma praga de gafanhotos que eu havia visto num filme.
Passado
um tempinho, na tela começaram a surgir as primeiras imagens do que
parecia ser um filme de guerra. As figuras surgiam borradas, como
pessoas se movendo debaixo d’água. Mas não se ouvia absolutamente
nada, só a fritura de torresmo – pois era isso que parecia ser
aquele crepitar – e, de vez em quando, intermitentemente, alguns
fiapos de frases que entusiasmavam a plateia.
Nos
fugazes momentos em que imagem e som confluíam, as pessoas armavam
um escândalo tremendo gritando para os homens da antena:
“Agora
sim!”
Mas
em seguida voltavam o crepitar e a praga de gafanhotos.
Eu
olhava as pessoas emboladas na frente do aparelho – muitas delas
assíduas de minhas narrações – e via como seus olhinhos
brilhavam naqueles segundos em que imagem e som coincidiam. Brilhavam
como quando na minha casa, mostrando a máscara de Zorro, eu dava uma
cambalhota com a espada e com três talhos certeiros deixava o Z
claramente desenhado no ar.
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
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