sábado, 21 de setembro de 2024

A Contadora de Filmes | [37]


Na confeitaria, com o catálogo nas mãos e ajudado pelo eletricista do povoado, dom Primitivo estava pelejando para fazer a geringonça funcionar. Havia sido instalada numa das prateleiras atrás do balcão, entre os frascos de caramelos e a estantezinha dos cigarros. O lugar estava mais cheio que nunca. Até o par de guardas, que fazia sua primeira ronda noturna, tinha ficado para ver a novidade.
Enquanto o eletricista verificava tomadas e conexões, dom Primitivo, revirando o catálogo como se fosse o mapa de um tesouro de pirata, fazia girar botões e apertava teclas como se estivesse ruim da cabeça. Ao mesmo tempo, lá no telhado dois homens mexiam a antena em todas as direções, conforme as pessoas lá embaixo iam gritando em coro:
Mais para lá!”
Um pouquinho mais para cá!”
Mais para cá!”
Um pouquinho mais para lá!”
Todo mundo ficava com os olhos grudados na tela esperando ver a qualquer momento alguma espécie de aparição celestial.
No entanto, com um insuportável ruído de cigarra cantando, tudo que se via eram simples listas ou pontinhos em ebulição, algo parecido a uma praga de gafanhotos que eu havia visto num filme.
Passado um tempinho, na tela começaram a surgir as primeiras imagens do que parecia ser um filme de guerra. As figuras surgiam borradas, como pessoas se movendo debaixo d’água. Mas não se ouvia absolutamente nada, só a fritura de torresmo – pois era isso que parecia ser aquele crepitar – e, de vez em quando, intermitentemente, alguns fiapos de frases que entusiasmavam a plateia.
Nos fugazes momentos em que imagem e som confluíam, as pessoas armavam um escândalo tremendo gritando para os homens da antena:
Agora sim!”
Mas em seguida voltavam o crepitar e a praga de gafanhotos.
Eu olhava as pessoas emboladas na frente do aparelho – muitas delas assíduas de minhas narrações – e via como seus olhinhos brilhavam naqueles segundos em que imagem e som coincidiam. Brilhavam como quando na minha casa, mostrando a máscara de Zorro, eu dava uma cambalhota com a espada e com três talhos certeiros deixava o Z claramente desenhado no ar.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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