domingo, 8 de setembro de 2024

A Contadora de Filmes | [35]



A primeira coisa que aconteceu depois da morte de meu pai foi a tragédia de meu irmãozinho Marcelino. Uma noite, enquanto brincava de esconde-esconde no beco, foi atropelado pelas rodas traseiras do caminhão de lixo. Morreu na hora.
Como chorei, grudada em sua cabecinha de livro!
Tempos depois, meu irmão Mirto, que nunca tinha namorado, se engraçou com uma viúva jovem que andava pela Mina de visita, uma viúva negra que sorveu seus miolos de tal forma que ele não titubeou em ir com ela para a cidade de Coyhaique. Mais de quatro mil quilômetros ao sul do país!
Foi-se embora sem avisar ninguém.
Ele tinha dezesseis anos, a viúva tinha vinte e oito.
Depois, um clube de futebol profissional que andava de excursão pelo norte fez um jogo amistoso com o time da Mina.
Quando viram meu irmão Manuel jogar, ficaram tão impressionados com seus dribles e passes firulados que o levaram para a capital, para treinar nas divisões inferiores.
Ele, pelo menos, se despediu.
No entanto, a coisa verdadeiramente triste – tão triste como a morte de meu irmão Marcelino – foi o que aconteceu com Mariano, meu irmão mais velho. Como já trabalhava na Companhia e ganhava um salário de homem feito, se deu para a bebida. Do trabalho ia beber com seus amigos. Certa noite, bêbado feito uma cabra, teve a infeliz ideia de contar no balcão do bar, e a toda voz, que foi ele quem matou o sacana do agiota. Dois dias depois os detetives do porto vieram buscá-lo e ele foi levado preso.
Nunca disse que tinha matado para vingar a sujeira que o homem havia feito comigo. Só se limitou a dizer que foi para roubar dinheiro, e que nos bolsos do avarento de merda só achou farelo de pão.
Para fechar o quadro, naqueles mesmos dias chegou no povoado o primeiro aparelho de televisão, artefato que, segundo previam todos, acabaria de uma vez e para sempre com o cinema. A prisão de Mariano e a chegada da televisão, coisas que aconteceram quase em uníssono, definiram meu destino.
Com a ausência de meu irmão eu ficava sem casa, e com o assunto da televisão eu corria o perigo de ficar sem ofício.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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