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De
alguma maneira, depois daquilo o dinheiro se foi e logo deixei as
pistas e voltei para o meu apartamento, onde esperei sentado que a
licença de noventa dias terminasse. Meus nervos estavam em
frangalhos de tanta bebida e ação. Não é novidade essa história
das mulheres caírem em cima dos homens. Você pensa que tem espaço
para respirar, então olha para o lado e já aparece outra. Fay. Fay
tinha cabelos grisalhos e sempre se vestia de preto. Dizia ser um
protesto contra a guerra. Mas se Fay queria protestar contra a
guerra, por mim tudo bem. Ela era uma espécie de escritora e tinha
feito algumas oficinas literárias. Tinha ideias sobre salvar o
mundo. Se ela pudesse salvá-lo para mim, isso também seria ótimo.
Ela vivia dos cheques da pensão de um ex-marido — eles tiveram
três filhos —, e a mãe também lhe enviava alguma grana de vez em
quando. Fay não tivera mais que um ou dois empregos ao longo da
vida.
Nesse
meio-tempo, Janko não diminuíra nem um pouco a capacidade de falar
merda. A cada manhã, ele me fazia ir para casa com a cabeça
explodindo. Nessa época, eu estava recebendo inúmeras multas de
trânsito. Era como se toda vez que eu olhasse pelo espelho
retrovisor lá estivessem as luzes vermelhas. Um carro-patrulha ou
uma moto.
Certa
noite, cheguei tarde em casa. Estava em frangalhos. Pegar a chave e
enfiar na fechadura me consumiu o que restava de energia. Entrei no
quarto e lá estava Fay na cama lendo a New Yorker e comendo
chocolates. Não chegou sequer a me dar um oi.
Fui
até a cozinha procurar algo para comer. Não havia nada na
geladeira. Decidi tomar um copo d’água. Fui até a pia. Estava
transbordando de lixo. Fay gostava de aproveitar potes usados e suas
tampas. Os pratos sujos ocupavam metade da pia, e os potes e tampas
boiavam na água junto com pedaços de rótulos.
Voltei
pro quarto no exato instante em que Fay colocava um chocolate na
boca.
— Olhe,
Fay — eu disse —, sei que você quer salvar o mundo. Mas será
que não pode começar lá pela cozinha?
— Cozinhas
não têm importância — ela disse.
Era
difícil bater numa mulher de cabelos grisalhos, então simplesmente
entrei no banheiro e comecei a encher a banheira. Um banho fervendo
me acalmaria os nervos. Quando a banheira encheu, tive medo de
entrar. Meu corpo castigado já tinha, àquela altura, enrijecido
tanto que eu tinha medo de me afogar lá dentro.
Fui
para a sala e, depois de certo esforço, dei um jeito de tirar minha
camisa, calças, sapatos, as meias. Entrei no quarto e ocupei o lugar
ao lado de Fay. Eu não encontrava posição. Toda vez que me mexia,
era a um custo pesado.
A
única hora em que você está sozinho, Chinaski, pensei, é quando
está dirigindo para o trabalho ou voltando para casa.
Finalmente
encontrei uma posição deitado de bruços. Meu corpo todo doía.
Logo estaria de volta ao serviço. Se eu conseguisse dormir, isso
ajudaria. De vez em quando, escutava um virar de página, o som de
chocolates sendo devorados. Tinha sido uma de suas noites de oficina
literária. Se ela ao menos apagasse a luz.
— Como
foi a oficina? — perguntei com um grunhido.
— Estou
preocupada com o Robby.
— Ah,
o que há de errado com ele? — perguntei.
Robby
era um cara beirando os quarenta que tinha vivido desde sempre com a
mãe. Tudo o que ele escrevia, conforme me informaram, eram histórias
terrivelmente engraçadas sobre a Igreja Católica. Robby, de fato,
sentava o pau nos católicos. As revistas não estavam prontas para
Robby, embora ele tivesse sido publicado uma vez num jornal
canadense. Certa vez, eu tinha encontrado Robby em uma de minhas
noites de folga. Levei Fay de carro até essa mansão onde todos liam
suas coisas uns para os outros.
— Ah!
Aquele é Robby! — Fay tinha dito —, ele escreve contos
engraçados sobre a Igreja Católica!
Ela
tinha me apontado o cara. Robby estava de costas para nós. Tinha uma
bunda grande, larga e flácida, pendendo dentro das calças frouxas.
Será que eles não veem isso?, pensei.
— Não
vai entrar? — Fay tinha me perguntado.
— Talvez
na próxima semana...
Fay
pôs outro chocolate na boca.
— Robby
está preocupado. Ele perdeu o emprego na transportadora. Disse que
não consegue escrever desempregado. Precisa daquele sentimento de
segurança. Disse que não vai conseguir escrever até arranjar outro
emprego.
— Com
o diabo — eu disse —, posso arranjar um emprego para ele.
— Onde?
Como?
— Estão
contratando a torto e a direito lá nos Correios. O salário não é
mau.
— NOS
CORREIOS! ROBBY É MUITO SENSÍVEL PARA TRABALHAR NOS CORREIOS!
— Desculpe
— eu disse —, achei que valia a pena tentar. Boa noite.
Fay
não respondeu. Estava furiosa.
Charles Bukowski, em Cartas na Rua
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