O
mercado estava quase vazio, porque as pessoas tinham ido para perto
do forte português depois de ouvirem que um navio acabara de chegar
do estrangeiro. Eu e a Taiwo também fomos até lá, mas ela queria
voltar para casa, com medo de que nos perdêssemos ou fôssemos
capturadas, pois havia muita gente ao nosso redor, inclusive alguns
brancos. Mas eu quis ficar, e então ela disse que nunca me deixaria
sozinha. Na verdade, o que eu queria era que as pessoas vissem as
nossas roupas novas; se voltássemos para casa, a minha avó nos
faria tirá-las, temendo que estragassem. Todos que gostavam de
ibêjis olhavam e sorriam para nós, e pensar que o Kokumo e a minha
mãe também sorririam se estivessem conosco me fazia muito feliz. E
mais feliz ainda porque Uidá era uma cidade bonita e as pessoas eram
boas, como a Titilayo e a família dela, que nos receberam como
amigos de longa data. E também havia a casa nova, com três esteiras
novas, mesa, cadeiras e até um quadro na parede, com o desenho de um
coração onde estava escrito Ekun Dayo, presente do Ayodele.
Primeiro
aportaram duas canoas cheias de caixas e baús muito grandes e
bonitos, e logo em seguida mais duas, carregando baús menores e um
branco cada uma. Eram figuras interessantes, com roupas que não
deixavam ver parte alguma do corpo e usando chapéus que envolviam
toda a cabeça e se arredondavam para todos os lados, enfeitados com
enormes penas coloridas. Quando as canoas deles se aproximaram,
pretos que estavam em terra entraram na água levando duas cadeiras
que pareciam o trono do rei que eu tinha visto em um desenho, em
Savalu. Certa vez passou por lá um andarilho que fazia desenhos das
pessoas, deixando todos espantados com a semelhança, a pessoa e o
desenho tão parecidos como se fossem ibêjis, como se fossem eu e a
Taiwo. Entre os desenhos havia o de uma cadeira que o andarilho disse
ser de um rei, mas que não era colorida como aquelas, embora eu
tivesse achado que deveria ser. O desenho era apenas preto, feito com
carvão, mas imaginei as cores, e elas eram parecidas com as cores
das cadeiras nas quais os brancos se sentaram e foram erguidos acima
das cabeças dos pretos, acima das águas.
Quando
os brancos chegaram em terra, as pessoas que estavam por perto se
ajoelharam e começaram a bater com a testa no chão, dando a
entender que eles eram muito importantes. Alguns homens vieram
correndo e gritando da direção do forte, pretos que usavam roupas
simples de brancos, e formaram duas fileiras, uma de frente para a
outra, desde a porta do forte até o lugar onde as cadeiras foram
colocadas. Os dois brancos só se levantaram quando um homem surgiu
para recebê-los, anunciado por uma banda de tambores e clarinetas e
saudado com loas. Tocavam uma música que eu me lembro de ter achado
quase tão bonita quanto o mar, que tinha a cor mais bonita que o
pano de Iemanjá. Sei que é difícil comparar sons e cores, mas, aos
meus olhos e ouvidos, eram apenas duas belezas, só isso, uma quase
tão bonita quanto a outra. Aquela foi a primeira vez que vi o
Chachá, o comandante do forte que tanto me impressionou, quase
branco de tão majestoso, seguido por muitos escravos, músicos,
cantores, bufões e uma guarda formada por mulheres. Ao som da música
que ficava cada vez mais alta e bonita, ele caminhou pela praia sob
um para-sol erguido por dois pretos. Eusabia o que significava um
para-sol, a minha avó já tinha caminhado sob um deles com a rainha
Agontimé, em Abomé, e só os grandes chefes ou soberanos podiam
usá-los, assim como alguns tipos de bengala.
Depois
que se cumprimentaram, protegidos pela sombra do para-sol, o Chachá
e os brancos caminhavam em direção ao forte quando eu disse à
Taiwo que queria chegar mais perto para vê-los melhor. Eu deveria
ter ouvido a Taiwo, que não queria ir, mas peguei a mão dela e fui
puxando, abrindo caminho por entre as pernas dos que estavam de pé e
por cima dos ombros dos que estavam ajoelhados, até chegarmos bem
perto do cortejo. Foi então que um dos brancos parou de caminhar e
olhou para nós, e logo todos ao redor fizeram o mesmo. Ele apontou
para nós e falou qualquer coisa ao ouvido do Chachá, e
imediatamente um dos seus pretos já estava nos segurando pelos
braços, antes mesmo de pensarmos em sair correndo. Eu e a Taiwo
gritamos e tentamos fugir, mas ele era muito mais forte do que
qualquer tentativa, e ninguém nos defendeu. Fomos então levadas
para o forte e colocadas dentro de um barracão muito grande, onde já
havia várias pessoas sentadas ou deitadas pelo chão. Quando
entramos, quase ninguém olhou para nós, demonstrando pouco
interesse pelo que estava acontecendo, como se aquela situação
fosse normal. O guarda nos empurrou para dentro e ficou parado na
porta com a lança em posição que poderia ser tanto de ataque como
de defesa, e apontou um canto onde estavam as mulheres. Antes de
sair, disse a elas para cuidarem muito bem de nós duas porque éramos
ibêjis, para presente.
Ana Maria Gonçalves, em Um defeito de cor
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