sábado, 3 de agosto de 2024

A chegada


O mercado estava quase vazio, porque as pessoas tinham ido para perto do forte português depois de ouvirem que um navio acabara de chegar do estrangeiro. Eu e a Taiwo também fomos até lá, mas ela queria voltar para casa, com medo de que nos perdêssemos ou fôssemos capturadas, pois havia muita gente ao nosso redor, inclusive alguns brancos. Mas eu quis ficar, e então ela disse que nunca me deixaria sozinha. Na verdade, o que eu queria era que as pessoas vissem as nossas roupas novas; se voltássemos para casa, a minha avó nos faria tirá-las, temendo que estragassem. Todos que gostavam de ibêjis olhavam e sorriam para nós, e pensar que o Kokumo e a minha mãe também sorririam se estivessem conosco me fazia muito feliz. E mais feliz ainda porque Uidá era uma cidade bonita e as pessoas eram boas, como a Titilayo e a família dela, que nos receberam como amigos de longa data. E também havia a casa nova, com três esteiras novas, mesa, cadeiras e até um quadro na parede, com o desenho de um coração onde estava escrito Ekun Dayo, presente do Ayodele.
Primeiro aportaram duas canoas cheias de caixas e baús muito grandes e bonitos, e logo em seguida mais duas, carregando baús menores e um branco cada uma. Eram figuras interessantes, com roupas que não deixavam ver parte alguma do corpo e usando chapéus que envolviam toda a cabeça e se arredondavam para todos os lados, enfeitados com enormes penas coloridas. Quando as canoas deles se aproximaram, pretos que estavam em terra entraram na água levando duas cadeiras que pareciam o trono do rei que eu tinha visto em um desenho, em Savalu. Certa vez passou por lá um andarilho que fazia desenhos das pessoas, deixando todos espantados com a semelhança, a pessoa e o desenho tão parecidos como se fossem ibêjis, como se fossem eu e a Taiwo. Entre os desenhos havia o de uma cadeira que o andarilho disse ser de um rei, mas que não era colorida como aquelas, embora eu tivesse achado que deveria ser. O desenho era apenas preto, feito com carvão, mas imaginei as cores, e elas eram parecidas com as cores das cadeiras nas quais os brancos se sentaram e foram erguidos acima das cabeças dos pretos, acima das águas.
Quando os brancos chegaram em terra, as pessoas que estavam por perto se ajoelharam e começaram a bater com a testa no chão, dando a entender que eles eram muito importantes. Alguns homens vieram correndo e gritando da direção do forte, pretos que usavam roupas simples de brancos, e formaram duas fileiras, uma de frente para a outra, desde a porta do forte até o lugar onde as cadeiras foram colocadas. Os dois brancos só se levantaram quando um homem surgiu para recebê-los, anunciado por uma banda de tambores e clarinetas e saudado com loas. Tocavam uma música que eu me lembro de ter achado quase tão bonita quanto o mar, que tinha a cor mais bonita que o pano de Iemanjá. Sei que é difícil comparar sons e cores, mas, aos meus olhos e ouvidos, eram apenas duas belezas, só isso, uma quase tão bonita quanto a outra. Aquela foi a primeira vez que vi o Chachá, o comandante do forte que tanto me impressionou, quase branco de tão majestoso, seguido por muitos escravos, músicos, cantores, bufões e uma guarda formada por mulheres. Ao som da música que ficava cada vez mais alta e bonita, ele caminhou pela praia sob um para-sol erguido por dois pretos. Eusabia o que significava um para-sol, a minha avó já tinha caminhado sob um deles com a rainha Agontimé, em Abomé, e só os grandes chefes ou soberanos podiam usá-los, assim como alguns tipos de bengala.
Depois que se cumprimentaram, protegidos pela sombra do para-sol, o Chachá e os brancos caminhavam em direção ao forte quando eu disse à Taiwo que queria chegar mais perto para vê-los melhor. Eu deveria ter ouvido a Taiwo, que não queria ir, mas peguei a mão dela e fui puxando, abrindo caminho por entre as pernas dos que estavam de pé e por cima dos ombros dos que estavam ajoelhados, até chegarmos bem perto do cortejo. Foi então que um dos brancos parou de caminhar e olhou para nós, e logo todos ao redor fizeram o mesmo. Ele apontou para nós e falou qualquer coisa ao ouvido do Chachá, e imediatamente um dos seus pretos já estava nos segurando pelos braços, antes mesmo de pensarmos em sair correndo. Eu e a Taiwo gritamos e tentamos fugir, mas ele era muito mais forte do que qualquer tentativa, e ninguém nos defendeu. Fomos então levadas para o forte e colocadas dentro de um barracão muito grande, onde já havia várias pessoas sentadas ou deitadas pelo chão. Quando entramos, quase ninguém olhou para nós, demonstrando pouco interesse pelo que estava acontecendo, como se aquela situação fosse normal. O guarda nos empurrou para dentro e ficou parado na porta com a lança em posição que poderia ser tanto de ataque como de defesa, e apontou um canto onde estavam as mulheres. Antes de sair, disse a elas para cuidarem muito bem de nós duas porque éramos ibêjis, para presente.

Ana Maria Gonçalves, em Um defeito de cor

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