Em Natal, Rio Grande do Norte, acordei no meio da noite, tranquila como se estivesse despertando de uma tranquila insônia. E ouvi aquela música de ar que uma vez antes já tinha ouvido. É extremamente doce e sem melodia, mas feita de sons que poderiam se organizar em melodia. É flutuante, ininterrupta. Os sons como quinze mil estrelas. Tive a certeza de que estava captando a mais primária vibração do ar, como se o silêncio falasse. O silêncio falava. Era de um agudo suave, constante, sem arestas, tudo atravessado por sons horizontais e oblíquos. Milhares de ressonâncias que tinham a mesma altura e a mesma intensidade, a mesma ausência de pressa, noite feliz. Parecia um longo véu de som, com variação apenas de sombra e luz, às vezes de espessura (quando, ao esvoaçar, um pedaço de véu dobrava-se sobre o mesmo véu). É de uma beleza incrível, impossível de ser descrita pois não existe palavra que seja silêncio. Não se sente presença de autor; anjos em grupos incontáveis, impessoais como anjos, anônimos como anjos. Quando o silêncio se manifesta, ele não diz: manifesta-se em silêncio mesmo. Como se: “o que é o número 1357217?” Então esse número dá um passo para frente e se manifesta todo desabrochado em 1357217. Ele pode exatamente o máximo; evidenciar-se. Pois o quarto do hotel estava todo cheio do canto coral do silêncio que se evidenciava. E eu abençoada desse jeito. Mas não quero nunca mais.
Clarice Lispector, em Todas as crônicas
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