Acho
que era o Marcel Marceau que tinha uma pantomima em que ele
representava a vida de um homem, do berço ao túmulo, em menos de um
minuto. Shakespeare, claro, tem seu famoso solilóquio sobre as
idades do homem que também e uma maravilha de sintetização
poética. Nossas vidas, afinal, comparadas com a idade do Universo,
se desenrolam em poucos segundos. Cabem numa página de diálogo.
– Quer
dançar?
– Obrigada.
– Você
vem aqui sempre?
– Venho.
– Vamos
namorar firme?
– Bom...
Você tem que falar com o papai...
– Já
falei com seu pai. Agora é só marcar a data.
– 26
de julho?
– Certo.
– Não
esqueça as alianças...
– Você
me ama?
– Amo.
– Mesmo?
– Sim.
– Sim.
– Parece
mentira. Estamos casados. Tudo está acontecendo tão rápido...
– Sabe
o que foi que disse o noivo nervoso na noite de núpcias?
– O
quê?
– Enfim,
S.O.S.
– Você
estava nervoso?
– Não.
Foi bom?
– Mmmm.
Sabe de uma coisa?
– O
quê?
– Eu
estou grávida.
– É
um menino!
– A
sua cara...
– Aonde
é que você vai?
– Ele
está chorando.
– Deixa...
Vem cá.
– Meu
bem...
– Hmm?
– Estou
grávida de novo.
– É
menina!
– O
que é que você tem?
– Por
quê?
– Parece
distante, frio...
– Problemas
no trabalho.
– Você
tem outra!
– Que
bobagem.
– É
mesmo... Você me perdoa?
– Vem
cá.
– Aqui
não. Olha as crianças...
– O
Júnior saiu com o carro. Ia pegar uma garota.
– Você
já falou com ele sobre...
– Já.
Ele sabe exatamente o que fazer.
– O
quê? Você deu instruções?
– Na
verdade ele já sabia melhor do que eu. Essa geração já nasce
sabendo. Só precisei mostrar como se usa o macaco.
– O
quê?!
– Ah,
você quer dizer... Pensei que fosse o carro. E a Beti?
– Parece
que é sério.
– Ela
e o analista de sistemas?
– É.
Aliás...
– Estão
vivendo juntos. Eu sabia!
– Ela
está indo para o hospital.
– Já?!
– São
gêmeos!
– Sabe
que você até que é uma avó bacana?
– Quem
diria...
– Vem
cá.
– Olha
as crianças.
– Que
crianças?
– Os
gêmeos. A Beti deixou eles dormindo aqui.
– Ai.
– Que
foi?
– Uma
pontada no peito.
– Você
tem que se cuidar. Está na idade perigosa.
– Já?!
– Sabe
que a Beti está grávida de novo?
– Devem
ser gêmeos outra vez. O cara trabalha com o sistema binário.
– Esse
conjunto do Júnior precisa ensaiar aqui em casa? Que inferno.
– E
o nome do conjunto? Terror e Êxtase.
– Vão
acordar os gêmeos.
– Ai.
– Outra
pontada?
– Deixa
pra lá. Olha, essa música até que eu gosto. Não é rock-balada?
– Não.
Eles estão afinando os instrumentos.
– Quer
dançar?
– Não!
Você sabe o que aconteceu da última vez.
Luís Fernando Veríssimo, em Comédias Para se Ler na Escola
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