terça-feira, 16 de julho de 2024

os críticos de cinema

minha mãe sempre disse achar que
este francês era uma
graça
com ochapéu de palha e a
bengala
que
dançava enquanto
cantava.

e meu pai sempre dizia: “por deus,
não!”

e eles iam juntos ao
cinema para
vê-lo.

o francês fazia muitos filmes de modo
que havia muitas discussões
sobre ele

mas as discussões sempre seguiam
o mesmo caminho:

minha mãe dizia: “ah, ele é uma
graça!”
e meu pai seguia
com: “por deus, não!”

certa noite meu pai
persistiu em
levar o negócio
adiante:

tudo bem, você gosta dele
só porque acha que ele é uma
graça?”

não, não! porque ele é uma graça
e
um verdadeiro
cavalheiro!”

um cavalheiro?”

claro!”
que bobagem é
essa
que está
tentando me
aplicar?”

eles nunca
resolveram essa
discussão

ela
se resolveu
sozinha:

o francês
morreu.

minha mãe ficou muito
triste
por
alguns meses

então
ela descobriu
outro:

ele não cantava ou
dançava em seus
filmes
mas
atuava
e tinha
longas sobrancelhas
arqueadas
e um nariz que lembrava
uma
fina
e pequena
machadinha.
além disso,
era
francês.

tudo bem”, meu
pai perguntou,“e que tal
este
aí?”

minha mãe levou
um longo tempo
pensando, então
disse:

são seus sentimentos
profundos...”

sentimentos, hein?”

sim, ele revela tanta
dor...”

e
os outros homens? Também
não têm eles suas dores e seus
sentimentos?”

não, não como
ele...”

ah, por
deus...”

os filmes eram sobretudo
que meu pai e minha mãe
enfrentavam
naqueles dias da
Depressão
então as discussões
sobre eles eram muito
importantes.

meu pai gostava de um
camarada chamado
Wallace Beery
que sempre parecia ter
alguma
coisa
escorrendo do
nariz
que ele limpava
com uma das
mãos.

que homem
nojento!”, dizia minha
mãe.

ele não é um
farsante”, dizia meu
pai…

quanto a mim,
gosto de filmes sobre a Primeira Guerra
Mundial
em que os
pilotos de combate
estão sempre apaixonados pela
mesma
loira aguada
e todos eles sempre
se embebedam no
bar
antes
de decolar…

como família
eu
minha mãe
meu pai
nada
tínhamos
em comum
dentro ou fora
dos filmes

e
as coisas nunca
deixaram de ser
assim

e
agora
é tarde
demais.

Charles Bukowski, em Miscelânea septuagenária: contos & poemas 

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