Amor?
Amar? Vozes que ouvi, já não me lembra
onde:
talvez entre grades solenes, num
calcinado
e pungitivo lugar que regamos de fúria,
êxtase,
adoração, temor. Talvez no mínimo
território
acuado entre a espuma e o gnaisse, onde respira
— mas
que assustada! — uma criança apenas. E que presságios
de
seus cabelos se desenrolam! Sim, ouvi de amor, em hora
infinda,
se bem que sepultada na mais rangente areia
que
os pés pisam, pisam, e por sua vez — é lei — desaparecem.
E
ouvi de amar, como de um dom a poucos ofertado; ou de um crime.
De
novo essas vozes, peço-te. Escande-as em tom sóbrio,
ou
senão grita-as à face dos homens; desata os petrificados; aturde
os
caules no ato de crescer; repete: amor, amar.
O
ar se crispa, de ouvi-las; e para além do tempo ressoam, remos
de
ouro batendo a água transfigurada; correntes
tombam.
Em nós ressurge o antigo; o novo; o que de nada
extrai
forma de vida; e não de confiança, de desassossego se nutre.
Eis
que a posse abolida na de hoje se reflete, e confundem-se,
e
quantos desse mal um dia (estão mortos) soluçaram,
habitam
nosso corpo reunido e soluçam conosco.
Carlos Drummond de Andrade, em Antologia Poética
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