– Há
de lembrar-se, disse-me o alienista, daquele famoso maníaco
ateniense, que supunha que todos os navios entrados no Pireu eram de
sua propriedade. Não passava de um pobretão, que talvez não
tivesse, para dormir, a cuba de Diógenes; mas a posse imaginária
dos navios valia por todas as dracmas da Hélade. Ora bem, há em
todos nós um maníaco de Atenas; e quem jurar que não possuiu
alguma vez, mentalmente, dois ou três patachos, pelo menos, pode
crer que jura falso.
– Também
o senhor! perguntei-lhe.
– Também
eu.
– Também
eu?
– Também
o senhor; e o seu criado, não menos, se é seu criado esse homem que
ali está sacudindo os tapetes à janela.
De
fato, era um dos meus criados que batia os tapetes, enquanto nós
falávamos no jardim, ao lado. O alienista notou então que ele
escancarara as janelas todas desde longo tempo, que alçara as
cortinas, que devassara o mais possível a sala, ricamente alfaiada,
para que a vissem de fora, e concluiu: – Este seu criado tem a
mania do ateniense: crê que os navios são dele; uma hora de ilusão
que lhe dá a maior felicidade da terra.
Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas
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