O
homem vivia numa casa escura e silenciosa, na última rua do povoado,
pelo poente. Era domingo quando fui contar o filme.
E
estava nublado.
As
ruas, como sempre na hora da sesta, pareciam solitárias. E mais
ainda naquele dia em que no campo de futebol, nas vizinhanças do
povoado, estava sendo disputada a final do campeonato local. O
futebol era a outra coisa que salvava as pessoas do árido tédio do
deserto.
Quando
cheguei na casa dele, com meu irmão Manuel (que meu pai obrigou a
sair do campo para me ajudar), o agiota apareceu na porta, me olhou
fixo e perguntou para quê era aquele caixote. Quando expliquei,
disse, lacônico:
“Nada
de disfarces.”
Manuel,
contentíssimo, se mandou imediatamente com o caixote para casa, e de
lá, a todo vapor, para o campo. Eu, no começo, pensei que o
cavalheiro queria imaginar os personagens do jeito que bem
entendesse. Até achei que estava certo. Mas em seguida pressenti um
traço de malícia na sua atitude. Mesmo assim, não dei importância
ao meu palpite. Achei que devia ser influência de tantos filmes que
vi.
O
agiota morava sozinho. A cortina da janela estava fechada e a casa
parecia penumbrosa. O que me chamou a atenção foi como a sala
estava atopetada, tantos móveis antigos e baús empoeirados. Minha
casa podia até não ter móveis, mas era muito mais luminosa que
aquela.
As
prateleiras estavam cobertas de coisas que as pessoas iam empenhar:
rádios, máquinas fotográficas, aparelhos de louça, cortes de
casimira inglesa. Imaginei dentro dos baús centenas de relógios e
anéis de ouro. No canto do aparador, atado com elástico de prender
dinheiro, via-se o maço de carteiras de identidade que as pessoas
empenhavam. O povoado inteiro sabia que o agiota era tão receoso que
levava as carteiras com ele para todos os lados, inclusive para a
guarita onde trabalhava, para o caso de algum peão receber dinheiro
do céu e querer resgatar o documento.
O
homem estava pronto para receber dinheiro as vinte e quatro horas do
dia.
Dom
Nolasco sentou-se num sofá. E, de pé na frente dele, comecei a
contar o filme.
Ele
havia pedido uma fita do John Wayne, uma que tinham passado no cinema
fazia pouco. Pela primeira vez, senti que minhas pernas tremiam.
Pela
primeira vez não encontrava as palavras para começar minha
narração. E me arrependi de ter deixado meu irmão ir embora.
Sentia
medo.
O
homem era o homem mau do povoado.
Quando
eu estava começando a narração ele me interrompeu de maneira dura
para me dizer que não ouvia bem de um ouvido, que me aproximasse
mais. Depois me disse que seria melhor contar o filme sentada em seus
joelhos.
Falou
num tom cortante, que não me atrevi a desobedecer.
Sentada
nos ossos de seus joelhos, comecei de novo. O homem me olhava de um
jeito esquisito. Então percebi que o filme não interessava nem um
pouco. Mas era tarde demais.
Naquele
momento o agiota começou a me fazer o que me fez. O medo transformou
meu corpo em gelatina e não atinei a nada. O homem fez comigo o que
quis, principalmente da cintura para baixo.
Embora
eu tivesse feito alguma coisa com alguns amigos de meus irmãos, nos
tempos em que os acompanhava até as salitreiras velhas, aquilo não
havia passado de brincadeira de criança. Agora sentia que tinham me
rasgado por dentro.
E
saí dali como se estivesse aluada.
Enquanto
caminhava de volta para casa, como se pisasse sobre esponjas, fui
deixando cair, uma a uma, o punhado de moedas que o homem pôs à
força em minha mão antes de me deixar ir embora. Uma infinita
sensação de vergonha embaraçava meu espírito. Eu me sentia impura
até mesmo para receber o ar que respirava.
Ao
dobrar a esquina de minha viela avistei meu pai na porta e tratei de
dissimular da melhor maneira que consegui. Não queria vê-lo sofrer
mais do que já sofria. Meu pobre velho cochilava com a cabeça
abatida sobre o peito. Meus irmãos o haviam deixado ali, acompanhado
pela sua garrafa de vinho. Fiquei olhando para ele, afundado em sua
poltrona de rodas – imprestável da cintura para baixo. Então, de
repente, e de uma forma obscura, entendi a razão de fundo pela qual
minha mãe o havia abandonado.
Recordei,
além do mais, que quando ela foi-se embora o céu estava nublado.
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
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