São quatro cadeiras na sala de visitas. Quatro cadeiras escuras ao redor da mesa pequena. No centro da mesa o jarro. No terraço a toalha seca ao vento da noite. O relógio da praça bate Um. Dois. Quatro. Onze badaladas se alargam até a ponte abandonada. No canto da sala de visitas o móvel quadrado – é sombra? é móvel? – onde pousam diminutos os cigarros, o charuto apagado, o copo vazio, e em monumento o vidro de pílulas para os nervos. No corredor o linóleo gelado. O longo corredor. Na sala de jantar a mesa vazia. Os pratos luzentes em pilha. O vento pela janela aberta, que perigo. Embaixo a calçada seca, a curva do arvoredo. Na cristaleira as xícaras de chá. Duas fatias endurecidas de bolo. A mosca presa adormeceu contra o vidro. Ou está morta, que perigo. No alto a lâmpada exulta. A cozinha... O bule com café frio. O cheiro morno do lixo, o vento pelas persianas. A cabeça de uma galinha, que perigo. O fogão vazio – o que lembra? O pingo d’água na torneira da pia. A luz do poste aclara a panela, ah. O pingo d’água. A aspirina sobre a mesa da cozinha? que desordem, que desordem. No banheiro a escuridão e a pasta de dentes. E das trevas a banheira fantástica, que perigo. A calça na corda? a maçaneta brilha, dois copos grandes de metal e um pequeno, rolado? rolado... No corredor o urso e a boneca no quarto... na paz vertiginosa, a família dorme. O relógio da praça bate Um. Dois. Cinco. Nove. Doze badaladas. Afasto-me silenciosamente e atravesso a janela cuidadosamente fechada. A mulher suspira. O luar, que perigo. Ah.
Clarice Lispector, em Todas as crônicas
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