Eu
disse a um dos homens quando passávamos:
– Porra,
esquecemos nosso vinho no carro! Vamos precisar algumas garrafas de
vinho pro filme!
– Vou
buscar pro senhor, Sr. Chinaski – disse o homem. Eu não fazia
ideia de quem era. Ele afastou-se do grupo.
– E
não esqueça o saca-rolhas! – berrei às costas dele.
Adiantamo-nos
pelo centro adentro. Bem longe à nossa esquerda, eu via os flashes
espocando. Aí vi Francine Bowers. Ela posava, olhando primeiro para
um lado, depois para o outro. Estava régia. O melhor da última.
Seguimos
os homens. Aí surgiu uma câmera de TV. Mais flashes. Reconheci a
dona como uma das entrevistadoras de uma emissora.
– Henry
Chinaski! – ela me saudou.
– Como
vai? – fiz uma mesura.
E,
antes que ela pudesse fazer qualquer pergunta, eu disse:
– Estamos
preocupados. Deixamos nosso vinho na limusine. Provavelmente o chofer
está bebendo ele todo a esta altura. Precisamos de mais vinho.
– Como
argumentista, gostou do jeito como ficou o filme?
– O
diretor lidou com dois atores difíceis, os principais, sem qualquer
problema. Usamos bêbados de bar autênticos, nenhum dos quais
conseguiu chegar aqui esta noite. O trabalho de câmera é
sensacional, e o argumento bem escrito.
– É
a história da sua vida?
– Alguns
dias de um período de dez anos...
– Obrigada,
Sr. Chinaski, pela entrevista...
– Claro...
E
aí chegou Jon Pinchot.
– Oi,
Sarah, oi, Hank... Sigam-me...
Lá
estava um pequeno grupo com gravadores. Alguns flashes espocaram. Eu
não sabia quem eram. Começaram a fazer perguntas.
– Acha
que se devia glorificar a bebida?
– Não
mais do que qualquer outra coisa...
– Beber
não é uma doença?
– Respirar
é uma doença.
– Não
acha os bêbados condenáveis?
– Acho,
a maioria. E também a maioria dos abstêmios.
– Mas
quem se interessaria pela vida de um bêbado?
– Outro
bêbado.
– Acha
beber muito um hábito socialmente aceitável?
– Em
Beverly Hills, sim. Na sarjeta, não.
– Você
se passou pra Hollywood?
– Acho
que não.
– Por
que escreveu este filme?
– Quando
escrevo alguma coisa, jamais penso no motivo.
– Quem
é seu ator preferido?
– Não
tenho nenhum.
– Atriz.
– Mesma
resposta.
Jon
Pinchot puxava-me pela manga.
– É
melhor a gente ir. Acho que o filme está pra começar...
Sarah
e eu o acompanhamos. Fomos levados de roldão. E aí estávamos no
cinema. Todo mundo parecia estar ali dentro.
Ouviu-se
a voz atrás da gente:
– ESPEREM!
Era
o cara que tinha ido buscar o vinho. Trazia uma grande sacola de
papel. Correu e jogou-a em meus braços.
– Você
é um dos maiores homens do mundo! – eu disse a ele.
O
cara simplesmente deu meia-volta e se mandou.
– Quem
era aquele? – perguntei a Jon.
– Não
sei...
– Vamos
lá – disse Sarah –, é melhor a gente entrar.
Acompanhamos
Jon ao saguão. As portas já se haviam fechado. Ele empurrou-as.
Estava escuro e nós o seguimos pelo corredor abaixo. O filme já
tinha começado.
– Merda
– eu disse –, não podiam ter esperado por nós? Somos os
autores!
– Sigam-me
– disse Jon –, guardei dois lugares pra vocês.
Nós
o seguimos por toda a primeira fila, na lateral. Havia duas cadeiras
junto à parede.
– Vejo
vocês depois – disse Jon.
Duas
garotas sentavam-se em nossa fila. Uma delas disse à outra:
– Não
sei o que estamos fazendo aqui. Eu realmente detesto Henry Chinaski.
É um ser humano repugnante!
Busquei
na escuridão uma das garrafas e um abridor. A tela passou da
escuridão para a luz.
– Henry
Chinaski – continuou a garota – odeia mulheres, odeia crianças,
é um velho amargo e nojento, não sei o que as pessoas veem nele!
A
outra garota me viu à luz da tela e cutucou as costelas da outra com
o cotovelo.
– Chhh...
Acho que esse aí é ele!
Abri
uma garrafa para Sarah e uma para mim. Viramo-las. Aí Sarah disse:
– Eu
devia dar uma surra nessas putas!
– Não
faça isso – eu disse. – Meus inimigos são minha fonte de renda.
Me odeiam tanto que se torna um caso de amor subliminar.
Estávamos
numa péssima posição para ver o filme. De onde nos sentávamos,
todos os corpos pareciam compridos, alongados e finos, e as cabeças
eram o pior. Grandes e deformadas, testas grandes, e mesmo assim
parecia quase não haver olhos, bocas ou queixos. O som também era
alto demais e muito distorcido. O diálogo soava como roncos e uivos.
Era
a première de meu primeiro e único filme, e eu não distinguia
nada.
Ia
descobrir depois que outro cinema bem ao lado exibia nosso filme
exatamente à mesma hora, com apenas meia casa.
– Jon
não planejou bem isso – sugeriu Sarah.
– Bem,
a gente vê em videocassete um dia – eu disse.
– Ééé
– ela disse.
E
batemos nossas garrafas em uníssono.
As
garotas nos olhavam com total fascínio e repugnância.
As
cabeças gigantescas com testas grandes continuavam a se mover pela
tela.
E
as cabeças berravam umas para as outras.
– FLAM,
FLAM, PUÓ DUÁ UÁ FUOL, PUÓ...
– IÉ,
VUÔ DUÁ, PUEG UESA PUÕR, TUÁ...
– FUAVUÔ...
– DUÁ
UÔ FUÓ...
– Foderam
com meu diálogo, Sarah.
– Uh...
foi...
Mas
era melhor quando as grandes testas emborcavam os drinques muito
altos e finos, o drinque enchia meia tela, e depois desaparecia em
alguma parte sob a testa e ficavam apenas copos vazios ondulando,
mudando de forma, esticando-se e contraindo-se, copos vazios
reluzentes do hades. Que ressacas aquelas cabeças iam ter.
Finalmente,
Sarah e eu deixamos de olhar para a tela e apenas atacamos nossas
garrafas de vinho.
E,
com o tempo, o filme acabou.
Houve
alguns aplausos, e esperamos que o público saísse. Esperamos um bom
tempo. Depois nos levantamos e saímos.
Não
havia mais flashes no saguão. Apertos de mão. Esquivamo-nos disso.
Precisávamos
dos banheiros.
– Vejo
você junto do vaso de planta do outro lado do banheiro das senhoras
– eu disse a Sarah.
Entrei
no dos homens. No mictório junto a mim um bêbado oscilava.
Olhou-me.
– Ei,
você é Henry Chinaski, não é?
– Não,
sou o irmão dele, Donny.
O
bêbado oscilou mais um pouco, mijando à vontade.
– Chinaski
nunca escreveu sobre irmão nenhum.
– Ele
me odeia, é por isso.
– Por
quê?
– Porque
eu chutei o traseiro dele umas sessenta ou setenta vezes.
O
bêbado não soube o que pensar disso. Continuou simplesmente mijando
e oscilando. Eu me afastei, lavei as mãos, dei o fora dali.
Esperei
junto ao vaso de planta. O chofer surgiu de detrás dele.
– Recebi
instruções pra levar vocês à festa de comemoração.
– Ótimo
– eu disse –, assim que Sarah...
E
lá estava Sarah.
– Sabe,
baby, a maioria dos choferes espera do lado de fora, mas nosso homem,
Frank, entrou e nos achou. Mas tirou o quepe pra não parecer chofer.
– É
uma noite estranha – ela disse.
Atravessamos
o centro comercial atrás de Frank. Ele ia dois passos à frente.
– Você
não bebeu nosso vinho, bebeu Frank?
– Não,
senhor...
– Frank,
a primeira regra para um chofer não é jamais deixar sua limusine? E
se alguém roubasse ela, por exemplo?
– Senhor,
ninguém jamais ia roubar aquele ferro velho.
– Tem
razão.
Assim
que saímos do centro, Frank voltou a pôr o seu quepe. A limusine
estava estacionada junto ao meio-fio.
Ele
nos ajudou a entrar no banco de trás e partimos.
Charles Bukowski, em Hollywood
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