terça-feira, 18 de junho de 2024

Hollywood | 45


Eu disse a um dos homens quando passávamos:
Porra, esquecemos nosso vinho no carro! Vamos precisar algumas garrafas de vinho pro filme!
Vou buscar pro senhor, Sr. Chinaski – disse o homem. Eu não fazia ideia de quem era. Ele afastou-se do grupo.
E não esqueça o saca-rolhas! – berrei às costas dele.
Adiantamo-nos pelo centro adentro. Bem longe à nossa esquerda, eu via os flashes espocando. Aí vi Francine Bowers. Ela posava, olhando primeiro para um lado, depois para o outro. Estava régia. O melhor da última.
Seguimos os homens. Aí surgiu uma câmera de TV. Mais flashes. Reconheci a dona como uma das entrevistadoras de uma emissora.
Henry Chinaski! – ela me saudou.
Como vai? – fiz uma mesura.
E, antes que ela pudesse fazer qualquer pergunta, eu disse:
Estamos preocupados. Deixamos nosso vinho na limusine. Provavelmente o chofer está bebendo ele todo a esta altura. Precisamos de mais vinho.
Como argumentista, gostou do jeito como ficou o filme?
O diretor lidou com dois atores difíceis, os principais, sem qualquer problema. Usamos bêbados de bar autênticos, nenhum dos quais conseguiu chegar aqui esta noite. O trabalho de câmera é sensacional, e o argumento bem escrito.
É a história da sua vida?
Alguns dias de um período de dez anos...
Obrigada, Sr. Chinaski, pela entrevista...
Claro...
E aí chegou Jon Pinchot.
Oi, Sarah, oi, Hank... Sigam-me...
Lá estava um pequeno grupo com gravadores. Alguns flashes espocaram. Eu não sabia quem eram. Começaram a fazer perguntas.
Acha que se devia glorificar a bebida?
Não mais do que qualquer outra coisa...
Beber não é uma doença?
Respirar é uma doença.
Não acha os bêbados condenáveis?
Acho, a maioria. E também a maioria dos abstêmios.
Mas quem se interessaria pela vida de um bêbado?
Outro bêbado.
Acha beber muito um hábito socialmente aceitável?
Em Beverly Hills, sim. Na sarjeta, não.
Você se passou pra Hollywood?
Acho que não.
Por que escreveu este filme?
Quando escrevo alguma coisa, jamais penso no motivo.
Quem é seu ator preferido?
Não tenho nenhum.
Atriz.
Mesma resposta.
Jon Pinchot puxava-me pela manga.
É melhor a gente ir. Acho que o filme está pra começar...
Sarah e eu o acompanhamos. Fomos levados de roldão. E aí estávamos no cinema. Todo mundo parecia estar ali dentro.
Ouviu-se a voz atrás da gente:
ESPEREM!
Era o cara que tinha ido buscar o vinho. Trazia uma grande sacola de papel. Correu e jogou-a em meus braços.
Você é um dos maiores homens do mundo! – eu disse a ele.
O cara simplesmente deu meia-volta e se mandou.
Quem era aquele? – perguntei a Jon.
Não sei...
Vamos lá – disse Sarah –, é melhor a gente entrar.
Acompanhamos Jon ao saguão. As portas já se haviam fechado. Ele empurrou-as. Estava escuro e nós o seguimos pelo corredor abaixo. O filme já tinha começado.
Merda – eu disse –, não podiam ter esperado por nós? Somos os autores!
Sigam-me – disse Jon –, guardei dois lugares pra vocês.
Nós o seguimos por toda a primeira fila, na lateral. Havia duas cadeiras junto à parede.
Vejo vocês depois – disse Jon.
Duas garotas sentavam-se em nossa fila. Uma delas disse à outra:
Não sei o que estamos fazendo aqui. Eu realmente detesto Henry Chinaski. É um ser humano repugnante!
Busquei na escuridão uma das garrafas e um abridor. A tela passou da escuridão para a luz.
Henry Chinaski – continuou a garota – odeia mulheres, odeia crianças, é um velho amargo e nojento, não sei o que as pessoas veem nele!
A outra garota me viu à luz da tela e cutucou as costelas da outra com o cotovelo.
Chhh... Acho que esse aí é ele!
Abri uma garrafa para Sarah e uma para mim. Viramo-las. Aí Sarah disse:
Eu devia dar uma surra nessas putas!
Não faça isso – eu disse. – Meus inimigos são minha fonte de renda. Me odeiam tanto que se torna um caso de amor subliminar.
Estávamos numa péssima posição para ver o filme. De onde nos sentávamos, todos os corpos pareciam compridos, alongados e finos, e as cabeças eram o pior. Grandes e deformadas, testas grandes, e mesmo assim parecia quase não haver olhos, bocas ou queixos. O som também era alto demais e muito distorcido. O diálogo soava como roncos e uivos.
Era a première de meu primeiro e único filme, e eu não distinguia nada.
Ia descobrir depois que outro cinema bem ao lado exibia nosso filme exatamente à mesma hora, com apenas meia casa.
Jon não planejou bem isso – sugeriu Sarah.
Bem, a gente vê em videocassete um dia – eu disse.
Ééé – ela disse.
E batemos nossas garrafas em uníssono.
As garotas nos olhavam com total fascínio e repugnância.
As cabeças gigantescas com testas grandes continuavam a se mover pela tela.
E as cabeças berravam umas para as outras.
FLAM, FLAM, PUÓ DUÁ UÁ FUOL, PUÓ...
IÉ, VUÔ DUÁ, PUEG UESA PUÕR, TUÁ...
FUAVUÔ...
DUÁ UÔ FUÓ...
Foderam com meu diálogo, Sarah.
Uh... foi...
Mas era melhor quando as grandes testas emborcavam os drinques muito altos e finos, o drinque enchia meia tela, e depois desaparecia em alguma parte sob a testa e ficavam apenas copos vazios ondulando, mudando de forma, esticando-se e contraindo-se, copos vazios reluzentes do hades. Que ressacas aquelas cabeças iam ter.
Finalmente, Sarah e eu deixamos de olhar para a tela e apenas atacamos nossas garrafas de vinho.
E, com o tempo, o filme acabou.
Houve alguns aplausos, e esperamos que o público saísse. Esperamos um bom tempo. Depois nos levantamos e saímos.
Não havia mais flashes no saguão. Apertos de mão. Esquivamo-nos disso.
Precisávamos dos banheiros.
Vejo você junto do vaso de planta do outro lado do banheiro das senhoras – eu disse a Sarah.
Entrei no dos homens. No mictório junto a mim um bêbado oscilava. Olhou-me.
Ei, você é Henry Chinaski, não é?
Não, sou o irmão dele, Donny.
O bêbado oscilou mais um pouco, mijando à vontade.
Chinaski nunca escreveu sobre irmão nenhum.
Ele me odeia, é por isso.
Por quê?
Porque eu chutei o traseiro dele umas sessenta ou setenta vezes.
O bêbado não soube o que pensar disso. Continuou simplesmente mijando e oscilando. Eu me afastei, lavei as mãos, dei o fora dali.
Esperei junto ao vaso de planta. O chofer surgiu de detrás dele.
Recebi instruções pra levar vocês à festa de comemoração.
Ótimo – eu disse –, assim que Sarah...
E lá estava Sarah.
Sabe, baby, a maioria dos choferes espera do lado de fora, mas nosso homem, Frank, entrou e nos achou. Mas tirou o quepe pra não parecer chofer.
É uma noite estranha – ela disse.
Atravessamos o centro comercial atrás de Frank. Ele ia dois passos à frente.
Você não bebeu nosso vinho, bebeu Frank?
Não, senhor...
Frank, a primeira regra para um chofer não é jamais deixar sua limusine? E se alguém roubasse ela, por exemplo?
Senhor, ninguém jamais ia roubar aquele ferro velho.
Tem razão.
Assim que saímos do centro, Frank voltou a pôr o seu quepe. A limusine estava estacionada junto ao meio-fio.
Ele nos ajudou a entrar no banco de trás e partimos.

Charles Bukowski, em Hollywood

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