Publiquei
o jornal. Vinte e quatro horas depois, aparecia em outros uma
declaração do Cotrim, dizendo, em substância, que “posto não
militasse em nenhum dos partidos em que se dividia a pátria, achava
conveniente deixar bem claro que não tinha influência nem parte
direta ou indireta na folha de seu cunhado, o Doutor Brás Cubas,
cujas ideias e procedimento político inteiramente reprovava. O atual
ministério (como aliás qualquer outro composto de iguais
capacidades) parecia-lhe destinado a promover a felicidade pública”.
Não
podia acabar de crer nos meus olhos. Esfreguei-os uma e duas vezes, e
reli a declaração inoportuna, insólita e enigmática. Se ele nada
tinha com os partidos, que importava um incidente tão vulgar como a
publicação de uma folha? Nem todos os cidadãos que acham bom ou
mau um ministério fazem declarações tais pela imprensa, nem são
obrigados a fazê-las. Realmente, era um mistério a intrusão do
Cotrim neste negócio, não menos que a sua agressão pessoal. Nossas
relações até então tinham sido lhanas e benévolas; não me
lembrava nenhum dissentimento, nenhuma sombra, nada, depois da
reconciliação. Ao contrário, as recordações eram de verdadeiros
obséquios; assim, por exemplo, sendo eu deputado, pude obter-lhe uns
fornecimentos para o arsenal de marinha, fornecimentos que ele
continuava a fazer com a maior pontualidade, e dos quais me dizia
algumas semanas antes que, no fim de mais três anos, podiam dar-lhe
uns duzentos contos. Pois a lembrança de tamanho obséquio não teve
força para obstar que ele viesse a público enxovalhar o cunhado?
Devia
ser mui poderoso o motivo da declaração, que o fazia cometer ao
mesmo tempo um destempero e uma ingratidão; confesso que era um
problema insolúvel.
Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas
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