Naquela segunda-feira, depois que Michael partiu ainda no escuro e Clay viu o
esboço na cozinha, o garoto preparou seu café da manhã e foi para
a sala de estar. As anotações, os projetos e outros papéis do
Assassino estavam divididos em sete pilhas de papel na mesa de
centro. Algumas eram maiores que outras, e todas tinham uma
identificação no topo. Sobre cada pilha havia uma pedra, um
grampeador ou uma tesoura, para que a papelada não voasse. Com
calma, ele leu os títulos:
MATERIAIS
MÃO
DE OBRA
ANDAIME
O
PLANO VELHO (PONTE DE CONCRETAGEM)
O
PLANO NOVO (ARCOS)
RIO
e
CLAY
Ele
se sentou.
Deixou
o sofá devorá-lo.
Escreveu
o nome de Carey nas migalhas da torrada e pegou a pilha ANDAIME.
***
Dali
em diante, passou o dia todo lendo.
Não
comeu ou foi ao banheiro.
Apenas
leu e observou e aprendeu tudo sobre a ponte idealizada pelo pai,
aquela confusão de rabiscos em carvão e lápis de ponta grossa. Em
especial, O PLANO VELHO, cuja pilha tinha cento e treze
páginas (ele contou) repletas de estimativas de gastos em madeira,
técnicas e sistemas de roldanas, além de anotações que tentavam
explicar por que a ponte anterior desabara.
O
PLANO NOVO somava seis folhas ao todo — claramente redigidas
na noite anterior. A primeira página da pequena pilha dizia apenas
uma coisa, diversas vezes.
PONT
DU GARD.
As
seguintes estavam cheias de rascunhos e desenhos, e uma lista
interminável de definições:
Enjuntas
e aduelas.
Arranque
e cimbre.
Flecha
e chave do arco.
Os
famosos pegão e pênsil.
Em
suma, as enjuntas são os blocos triangulares de pedra encaixados
entre os arcos e a estrutura reta acima deles, e as aduelas, os
blocos recurvos que formam os arcos. O arranque é o ponto final de
apoio, o encontro entre os arcos e a pilastra. Por alguma razão, a
parte favorita de Clay era o cimbre — o molde sobre o qual os arcos
são construídos, uma estrutura curva de madeira. É a peça que
sustenta a ponte e que depois é removida: o primeiro teste de
sobrevivência para cada arco.
***
E
então CLAY.
Ele
não tirava os olhos dessa pilha, mesmo enquanto estudava as outras.
A ideia de botar as mãos nela o empolgava, mas também o deixava
reticente. No topo, uma velha chave enferrujada servia de peso, e na
pilha havia apenas uma única folha.
Quando
Clay finalmente terminou de ver e estudar tudo, folha por folha, já
tinha anoitecido.
Ele
pegou a chave e brincou com ela, e quando virou a página com o
título, encontrou o seguinte:
Clay:
Veja
a página 49 do PLANO VELHO.
Boa
sorte.
Michael
Dunbar.
Página
49.
Era
o trecho que explicava a importância de cavar uma vala ao longo dos
quarenta metros de extensão do rio — para trabalharem, a todo
momento, em um leito de rocha firme. Como pontoneiros de primeira
viagem, o papel dizia, eles deveriam ser mais meticulosos que os
ditos especialistas, para não correrem riscos. Tinha até um esboço:
quarenta por vinte metros.
Ele
leu e releu a passagem inúmeras vezes, até decorar as medidas:
Quarenta
por vinte.
E
só Deus sabe a profundidade.
Eu
deveria ter começado por essa pilha.
Já
havia perdido um dia inteiro de trabalho.
Após
uma breve investigação, Clay descobriu que a chave abria um
barracão nos fundos da casa, onde encontrou a pá, recostada na
bancada, à espera dele. Pegou o objeto e deu uma olhada em volta.
Havia também uma picareta e um carrinho de mão.
Saiu
do barracão e, sob a última luz do fim da tarde, trilhou o caminho
até o leito do rio. Ao chegar lá, encontrou o local demarcado por
spray laranja fluorescente. Não tinha reparado naquilo, já que
passara o dia todo dentro de casa.
Quarenta
por vinte, ruminou, enquanto contornava as margens.
Clay
se agachava, se levantava, observava a lua que subia no céu — e
logo o trabalho o chamou. Ele abriu um sorrisinho e pensou em Henry,
na contagem regressiva que o irmão faria para ele.
Por
mais que estivesse sozinho ali, o passado que trazia consigo
convergia com o presente — em três segundos... e já. A pá se
uniu ao solo.
Markus Zusak, em O construtor de pontes
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