terça-feira, 18 de junho de 2024

A pilha de Clay



Naquela segunda-feira, depois que Michael partiu ainda no escuro e Clay viu o esboço na cozinha, o garoto preparou seu café da manhã e foi para a sala de estar. As anotações, os projetos e outros papéis do Assassino estavam divididos em sete pilhas de papel na mesa de centro. Algumas eram maiores que outras, e todas tinham uma identificação no topo. Sobre cada pilha havia uma pedra, um grampeador ou uma tesoura, para que a papelada não voasse. Com calma, ele leu os títulos:
MATERIAIS
MÃO DE OBRA
ANDAIME
O PLANO VELHO (PONTE DE CONCRETAGEM)
O PLANO NOVO (ARCOS)
RIO
e
CLAY
Ele se sentou.
Deixou o sofá devorá-lo.
Escreveu o nome de Carey nas migalhas da torrada e pegou a pilha ANDAIME.

***

Dali em diante, passou o dia todo lendo.
Não comeu ou foi ao banheiro.
Apenas leu e observou e aprendeu tudo sobre a ponte idealizada pelo pai, aquela confusão de rabiscos em carvão e lápis de ponta grossa. Em especial, O PLANO VELHO, cuja pilha tinha cento e treze páginas (ele contou) repletas de estimativas de gastos em madeira, técnicas e sistemas de roldanas, além de anotações que tentavam explicar por que a ponte anterior desabara.
O PLANO NOVO somava seis folhas ao todo — claramente redigidas na noite anterior. A primeira página da pequena pilha dizia apenas uma coisa, diversas vezes.
PONT DU GARD.
As seguintes estavam cheias de rascunhos e desenhos, e uma lista interminável de definições:
Enjuntas e aduelas.
Arranque e cimbre.
Flecha e chave do arco.
Os famosos pegão e pênsil.
Em suma, as enjuntas são os blocos triangulares de pedra encaixados entre os arcos e a estrutura reta acima deles, e as aduelas, os blocos recurvos que formam os arcos. O arranque é o ponto final de apoio, o encontro entre os arcos e a pilastra. Por alguma razão, a parte favorita de Clay era o cimbre — o molde sobre o qual os arcos são construídos, uma estrutura curva de madeira. É a peça que sustenta a ponte e que depois é removida: o primeiro teste de sobrevivência para cada arco.

***

E então CLAY.
Ele não tirava os olhos dessa pilha, mesmo enquanto estudava as outras. A ideia de botar as mãos nela o empolgava, mas também o deixava reticente. No topo, uma velha chave enferrujada servia de peso, e na pilha havia apenas uma única folha.
Quando Clay finalmente terminou de ver e estudar tudo, folha por folha, já tinha anoitecido.
Ele pegou a chave e brincou com ela, e quando virou a página com o título, encontrou o seguinte:

Clay:
Veja a página 49 do PLANO VELHO.
Boa sorte.
Michael Dunbar.

Página 49.
Era o trecho que explicava a importância de cavar uma vala ao longo dos quarenta metros de extensão do rio — para trabalharem, a todo momento, em um leito de rocha firme. Como pontoneiros de primeira viagem, o papel dizia, eles deveriam ser mais meticulosos que os ditos especialistas, para não correrem riscos. Tinha até um esboço: quarenta por vinte metros.
Ele leu e releu a passagem inúmeras vezes, até decorar as medidas:
Quarenta por vinte.
E só Deus sabe a profundidade.
Eu deveria ter começado por essa pilha.
Já havia perdido um dia inteiro de trabalho.

Após uma breve investigação, Clay descobriu que a chave abria um barracão nos fundos da casa, onde encontrou a pá, recostada na bancada, à espera dele. Pegou o objeto e deu uma olhada em volta. Havia também uma picareta e um carrinho de mão.
Saiu do barracão e, sob a última luz do fim da tarde, trilhou o caminho até o leito do rio. Ao chegar lá, encontrou o local demarcado por spray laranja fluorescente. Não tinha reparado naquilo, já que passara o dia todo dentro de casa.
Quarenta por vinte, ruminou, enquanto contornava as margens.
Clay se agachava, se levantava, observava a lua que subia no céu — e logo o trabalho o chamou. Ele abriu um sorrisinho e pensou em Henry, na contagem regressiva que o irmão faria para ele.
Por mais que estivesse sozinho ali, o passado que trazia consigo convergia com o presente — em três segundos... e já. A pá se uniu ao solo.

Markus Zusak, em O construtor de pontes

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