O
tempo corre por entre nossos dedos como água — diz um personagem,
aliás muito sábio (e ainda por cima imperial) de um livro de
William Golding que estou lendo para enganar outros cuidados.
Pergunto-me: por que diz ele que o tempo corre como água e não como
areia? E por que não correria como o vento, que leva, sobre a areia
e a água, a vantagem de ser invisível e impalpável como o próprio
tempo? Essas comparações permutáveis são uma denúncia de truque
poético. Não importa que o livro de Golding seja em prosa: quem faz
comparações está fazendo poesia. Essa permutabilidade nota-se não
raro nos versos crioulos, com as suas imagens obrigatoriamente
regionais:
“Do
potreiro de teus olhos
nunca
mais me apartarei.”
Mas
por que não da mangueira de teus olhos ou, melhor ainda, da
querência de teus olhos?Poesia, mesmo, é quando a imagem é
insubstituível, como o fez Garcia Lorca, na “Ode a Walt Whitman”,
ao retratar em seu verso inicial a figura do poeta:
“Viejo
lindo como la nieve!”
Mário Quintana, em Porta giratória
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