terça-feira, 11 de junho de 2024

A Contadora de Filmes | [21]

Foi assim que da noite para o dia, e quase sem que a gente percebesse, a sala de casa se transformou em algo parecido a uma pequena sala de cinema contado.
Distribuímos o ambiente em duas partes, igual que no cinema do povoado. Atrás, junto da poltrona do meu pai e do banco dos meus irmãos, acomodamos todos os cacarecos que servissem para alguém sentar, e essa ficou sendo a plateia. A galeria passou a ser a parte da frente, onde todos, especialmente as crianças, se sentavam no chão. A janela, que era o balcão, foi suspensa.
Foi fechada.
Pusemos uma tranca.
E não apenas para que ninguém me visse e ouvisse sem dar sua doação, mas porque alguns meninos da outra viela – com quem meus irmãos viviam se pegando a pedradas desde sempre – começaram a aparecer nas horas em que eu contava os filmes e desandavam a jogar coisas pela janela: chicletes, cuspidas, balões com água, merda seca.
Certa vez jogaram um rato vivo.
Na porta pusemos um quadro-negro onde diariamente escrevíamos o título do filme que ia ser contado, e a hora em que começava a função. Na parte de baixo, com letra menor, acrescentamos:
Não é permitida a entrada de cachorros.”
Meu pai era o encarregado de receber as doações. Sentado em sua poltrona de rodas, se instalava na porta com uma caixa de sapatos nos joelhos. Os donativos não iam além de cinco pesos, para os adultos, e um peso para as crianças. No cinema, a entrada custava cinquenta.
Meu irmão mais velho fazia o papel de porteiro, e os outros, de lanterninha.
Para deixar bem claro como as coisas iam bem, basta dizer que as crianças que não tinham um peso se revezavam nos furos das chapas de zinco para me ver. Além disso, um dos vendedores de balas do cinema, aproveitando o tempo entre o final da sessão vespertina e o começo da noturna, que era a hora da minha função, vinha parar no lado de fora da minha casa.
Vespernoturna, batizou meu irmão a hora da minha função.

Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes

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