Foi
assim que da noite para o dia, e quase sem que a gente percebesse, a
sala de casa se transformou em algo parecido a uma pequena sala de
cinema contado.
Distribuímos
o ambiente em duas partes, igual que no cinema do povoado. Atrás,
junto da poltrona do meu pai e do banco dos meus irmãos, acomodamos
todos os cacarecos que servissem para alguém sentar, e essa ficou
sendo a plateia. A galeria passou a ser a parte da frente, onde
todos, especialmente as crianças, se sentavam no chão. A janela,
que era o balcão, foi suspensa.
Foi
fechada.
Pusemos
uma tranca.
E
não apenas para que ninguém me visse e ouvisse sem dar sua doação,
mas porque alguns meninos da outra viela – com quem meus irmãos
viviam se pegando a pedradas desde sempre – começaram a aparecer
nas horas em que eu contava os filmes e desandavam a jogar coisas
pela janela: chicletes, cuspidas, balões com água, merda seca.
Certa
vez jogaram um rato vivo.
Na
porta pusemos um quadro-negro onde diariamente escrevíamos o título
do filme que ia ser contado, e a hora em que começava a função. Na
parte de baixo, com letra menor, acrescentamos:
“Não
é permitida a entrada de cachorros.”
Meu
pai era o encarregado de receber as doações. Sentado em sua
poltrona de rodas, se instalava na porta com uma caixa de sapatos nos
joelhos. Os donativos não iam além de cinco pesos, para os adultos,
e um peso para as crianças. No cinema, a entrada custava cinquenta.
Meu
irmão mais velho fazia o papel de porteiro, e os outros, de
lanterninha.
Para
deixar bem claro como as coisas iam bem, basta dizer que as crianças
que não tinham um peso se revezavam nos furos das chapas de zinco
para me ver. Além disso, um dos vendedores de balas do cinema,
aproveitando o tempo entre o final da sessão vespertina e o começo
da noturna, que era a hora da minha função, vinha parar no lado de
fora da minha casa.
Vespernoturna,
batizou meu irmão a hora da minha função.
Hernán Rivera Letelier, em A Contadora de Filmes
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