O
tesouro dos incas
Da
primeira das naus se derrama o ouro e a prata sobre o cais de
Sevilha.
Os
bois arrastam as talhas repletas até a Casa de Contratação.
Murmúrios
de estupor se levantam entre a multidão que assiste ao desembarque.
Fala-se de mistérios e do monarca vencido além do mar.
Dois
homens, duas uvas, saem abraçados da taberna que dá para o cais. Se
metem na multidão e perguntam, aos gritos, aonde está o tabelião.
Eles não celebram o tesouro dos incas. Estão avermelhados e
resplandecentes pela jornada de bom vinho e porque fizeram um pacto
de muita fraternidade. Resolveram trocar de mulheres, tu a minha, que
é uma joia, e eu a tua, embora não valha nada, e buscam um tabelião
para documentar o acordo.
Eles
não dão confiança ao ouro e à prata do Peru; e as pessoas,
deslumbradas, não dão confiança ao náufrago que chegou junto com
o tesouro. O navio, atraído pela fogueira, resgatou o náufrago em
uma ilhota do Caribe. Se chama Pedro Serrano e há nove anos tinha se
salvado nadando. Usa agora o cabelo como assento e a barba como
avental, tem a pele de couro e não parou de falar desde que o
subiram a bordo. Continua contando sua história, agora, em meio ao
alvoroço. Ninguém o escuta.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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