O
lugar onde a gente morava quase só tinha bicho
solidão
e árvores.
Meu
avô namorava a solidão.
Ele
era um florilégio de abandono.
De
tudo que me restou sobre aquele avô foi esta
imagem:
ele deitado na rede com a sua namorada, mas
se
a gente o retirasse da rede por alguma necessidade,
a
solidão ficava destampada.
Oh,
a solidão destampada!
Essa
imagem da solidão que ficara dentro de mim por
anos.
Ah,
o pai! O pai vaquejava e vaquejava.
Ele
tinha um olhar soberbo de ave.
E
nos ensinava a liberdade.
A
gente então saía vagabundeando pelos matos sem aba.
Chegou
que alcançamos a beira de um rio.
A
manhã estava pousada na beira do rio desaberta moda
um
pássaro.
Nessa
hora já o morro encostava no sol.
Logo
adiante vimos um quati a lamber um osso de ema.
A
tarde crescia por dentro do mato.
O
lugar nos perdera de rumo.
A
gente se sentia como um pedaço de formiga perdida
na
estrada.
Bernardo
completava o abandono.
Logo
encontramos uma criame de caracóis nas areias
do
rio.
Quase
todos os caracóis eram viúvos de suas lesmas.
Contam
que os urubus, finórios, desciam naquele lugar
para
degustar as lesmas ainda vivas.
Se
diz ainda que este recanto teria sido um pedaço do
Mar
de Xaraiés.
Na
beira da noite a gente estava sem rumo.
Bernardo
apareceu e disse que vento é cavalo.
Então
montamos na garupa do vento e logo chegamos
em
casa.
A
mãe aflitíssima estava.
Ela
cuidava de todos: lavava, passava e cozinhava
para
todos.
Porém
à noite a mãe ainda encontrava uma horinha
para
o seu violino.
Ela
tocava para nós Vivaldi.
E
a gente ficava pendurado em lágrimas.
Um
dia que outro eu contei para a Mãe que tinha visto
um
passarinho a mastigar um pedaço de vento. A Mãe
disse
outra vez: Já vem você com sua visões! Isso é
travessura
da sua imaginação.
É
a voz de Deus que habita nas crianças, nos passarinhos
e
nos tontos.
A
infância da palavra.
Manoel de Barros, in Menino do Mato
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