sábado, 25 de maio de 2024

A voz no que sonha

Eunápio narrou com muita imaginação uma suposta vida de Jâmblico de Caleis (c. 250-c. 325). Sabemos que foi discípulo de Porfírio, que o distinguiu; sabemos que foi mestre de neoplatonismo na Síria, onde juntamente com ele estudaram Teodoro de Asine, Dessipo, Sópatro, Eufrásio, Edésio, Eustácio. Sua obra fundamental foi um vasto comentário sobre a doutrina pitagórica, em dez livros dos quais conservamos cinco. Em sua minuciosa Biblioteca, Focio informa sobre a estranha derivação que Jâmblico imprimiu ao neoplatonismo: munido de traduções caldeias, inclinou-se para uma salvação através dos ritos, propugnou um misticismo mágico e enredou a salvação das almas em uma suspeitosa subestimação da sabedoria. Propôs-se a encabeçar uma forte reação místico-mágica contra a difusão do cristianismo, e chamou-se a si mesmo de “Novo Asclépio”. De seus sonhos de redenção, nada ficou de pé; porém em De mysteriis aegiptorum (se é que esta obra verdadeiramente lhe pertence) observou que no homem ocorrem os sonhos “divinos” em um estado intermediário entre o sono e a vigília, e que é por isso que se pode ouvir a voz de quem sonha: essa voz que se torna misteriosa (que se distorce), como estranhas se tornam as imagens percebidas.

Rodericus Bartius, Los que son números y los que no lo son, in Livro de Sonhos, de Jorge Luís Borges

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