Na
entrada do ranário, um guarda afetado bateu continência ao carro do
meu primo, parecia ridículo. O portão elétrico se abriu lentamente
e o Passat do meu primo entrou devagar. Yuan Bochecha, outrora
adivinho e curandeiro, hoje presidente Yuan da Companhia Geral de
Criação de Rãs-Touro, já nos aguardava ao pé de uma escultura
pretíssima.
Era
a estátua de uma rã-touro.
De
longe, parecia um veículo blindado de transporte de pessoal.
No
revestimento de mármore do pedestal, lia-se: “Rã-touro (Rana
catesbeiana), Amphibia, Anura, Ranidae, Rana: produz coaxos
sonoros semelhantes ao mugido de um touro, daí seu nome popular”.
“Vamos
tirar fotos”, sugeriu Yuan Bochecha, “primeiro as fotos, depois a
visita e, por fim, o almoço.”
A
visão daquela rã colossal me inspirou um temor reverente. Via-se um
dorso negro, a boca verde-musgo, cor de ouro no contorno dos olhos. A
pele tinha a textura das algas, com verrugas aqui e ali. Aquele par
de olhos salientes, sombrios, parecia me trazer notícias de um
passado distante.
“Jovem
Bi! Traga a câmera!”, gritou meu primo.
Uma
moça magra de óculos vermelhos e vestido xadrez colorido veio
correndo com uma pesada máquina fotográfica.
“Jovem
Bi é formada em artes pela Universidade Qidong e nossa diretora
administrativa”, meu primo disse, nos apresentando a moça.
“Além
de bonita, é talentosa”, acrescentou Yuan Bochecha. “Ela entende
de tudo: canta, dança, tira fotos, faz esculturas. E ainda sabe
beber!”
“Estou
lisonjeada, presidente Yuan”, disse Jovem Bi, corando.
“Este
meu velho colega de escola também é uma figura importante. Quando
menino, era bom na corrida, todo mundo achava que seria campeão
mundial, ninguém imaginava que se tornaria dramaturgo.” Yuan
Bochecha me apresentou à moça: “Nome oficial: Wan Perna, apelido
de infância: Corre Corre, hoje conhecido como Girino”.
“Girino
é meu pseudônimo literário”, expliquei.
“Esta
é a esposa do professor Girino, Leoazinha, ginecologista”, disse
meu primo, apontando para minha mulher.
Leoazinha,
que segurava o boneco de barro, acenou com a cabeça, meio distraída.
“O
sr. Yuan e o sr. Jin me falaram muito do senhor”, disse Jovem Bi.
“A
rã número 1 do mundo!”, disse Bochecha. “Esta escultura é da
autoria de Jovem Bi”, contou meu primo.
Soltei
uma exclamação um tanto exagerada.
“Sua
crítica terá grande valor para mim, professor Girino.”
Demos
a volta em torno da escultura. Fosse qual fosse a minha posição,
sentia que aqueles olhos enormes e sombrios podiam me seguir, que
estavam olhando para mim.
Terminada
a sessão de fotos, fomos com Bochecha, meu primo e Jovem Bi conhecer
os viveiros de reprodução, de girinos, de metamorfose e de rãs
jovens, assim como as oficinas de processamento de ração e de
beneficiamento de produtos ranícolas, nessa ordem.
Depois
daquela visita, sonhei muitas vezes com o viveiro de reprodução. É
um tanque de aproximadamente quarenta metros quadrados, com mais ou
menos meio metro de água turva. Na superfície, os machos, inflando
seus papos brancos, emitem um mugido de boi para atrair as fêmeas, e
elas, flutuando com as pernas esticadas, vão se aproximando devagar
do parceiro. Cada vez mais pares se formam. A fêmea nada com o macho
nas costas; o macho usa as patas anteriores para segurar a fêmea e
as posteriores para golpear a barriga dela. Massas de ovos
transparentes são excretadas pela abertura genital enquanto o macho
despeja na água um sêmen transparente — a rã faz fertilização
externa —, foi meu primo, ou Bochecha talvez, que explicou — as
fêmeas podem eliminar de oito a dez mil ovos por vez, são muito
mais capazes que o ser humano. No tanque, o coaxar soa aqui e acolá,
a água aquecida pelo sol de abril exala um odor nauseante. É o
espaço do romance, da busca de parceiros, mas também o espaço da
procriação, da produção de descendência. “Para que as fêmeas
liberem mais ovos, colocamos na ração um aditivo que estimula a
ovulação.” Coac, coac, coac — buá, buá, buá…
Com
os ouvidos cheios de coaxos e a cabeça cheia de rãs, fomos levados
a um restaurante com decoração luxuosa.
Duas
garçonetes de uniforme rosa nos serviram chá, trouxeram a comida,
encheram as taças.
“O
banquete hoje é só de rãs”, disse Yuan Bochecha.
Dei
uma olhada no menu sobre a mesa, que listava: pernas de rã ao sal e
pimenta, pele de rã frita, iscas de rã com pimentão, fatias de rã
com broto de bambu, girinos ao vinagrete, sopa de ovos de rã com
sagu…
“Vão
me desculpar, mas não como rãs”, eu disse.
“Nem
eu”, disse Leoazinha.
“Mas
por quê?”, estranhou Yuan Bochecha, “é uma delícia, por que
não experimentam?”
Fiz
um esforço para esquecer os olhos esbugalhados, a pele pegajosa, o
cheiro desagradável que se desprende de seu corpo, em vão. Balancei
a cabeça, angustiado.
“Recentemente
cientistas sul-coreanos extraíram da pele da rã-touro um peptídeo
valiosíssimo, com propriedades antioxidantes, que elimina os
radicais livres no corpo humano e age como retardador natural do
envelhecimento. E, claro, ainda tem outras propriedades secretas”,
disse meu primo Jin Xiu com ar de mistério. “Sobretudo consegue
aumentar substancialmente a probabilidade de nascimentos múltiplos.”
“Não
querem provar um pouco?”, perguntou Yuan Bochecha. “Precisa ser
mais ousado! Já teve coragem de comer escorpião, sanguessuga,
minhoca e cobra peçonhenta, vai deixar de comer rã-touro?”
“Você
se esqueceu? Meu pseudônimo é Girino!”
“Pois
bem! Então retirem todos os pratos da mesa. Mandem a cozinha
preparar outros pratos, não façam nada que tenha a ver com rã!”,
ordenou Bochecha às garçonetes.
Trouxeram
novos pratos à mesa, serviram mais de três rodadas de bebida.
“Como
você teve a ideia de criar rãs-touro?”, perguntei a Bochecha.
“Para
fazer fortuna, você precisa pensar em coisas que os outros não
pensam!”, disse Bochecha, orgulhoso, enquanto soltava anéis de
fumaça.
“Mas
que talento o seu, hein? Desde menino sempre foi diferente”, falei
com algum sarcasmo, imitando a entonação de um conhecido
comediante. “Não vejo problema em criar rã-touro, mas não seria
um desperdício abandonar as maravilhosas técnicas de retirar prego
de bucho de boi e ler a sorte das pessoas na feira?”
“Girino,
seu patife, você nunca ouviu falar em não bater na cara dos outros
e não revelar defeitos alheios?”, protestou Bochecha.
“E
também tirava DIU com um gancho de ferro”, lembrou Leoazinha
friamente.
“Ora,
minha irmã, isso jamais deve ser lembrado”, disse Bochecha.
“Naquele tempo, em primeiro lugar, eu não sabia de nada, em
segundo, tinha coração mole e não resistia à insistência daquela
mulherada louca para ter filho homem e, terceiro, era a pobreza que
me forçava.”
“Agora
ainda teria coragem de fazer?”, perguntei.
“Fazer
o quê?”, questionou ele de olhos arregalados.
“Tirar
DIU!”
“Mas
que conversa é essa? Acha que tenho memória tão curta? Depois de
anos de trabalho forçado, sou um homem refeito”, disse Bochecha,
“agora sou um homem digno e ganho meu dinheiro à luz do dia. Faço
tudo e qualquer coisa desde que não viole a lei. Não mexo com
coisas ilegais nem com uma arma na cabeça.”
“Somos
uma empresa bem conceituada no município, cumprimos as leis, pagamos
os impostos e trabalhamos para o bem público”, explicou meu primo.
Leoazinha
não largou o boneco de barro durante toda a refeição.
“Qin
He, aquele filho da mãe, é que é um gênio de verdade!”, disse
Bochecha. “Nunca fazia nada, mas foi só pôr a mão na massa que
logo superou Hao Mão Grande.”
“Cada
obra do mestre Qin cristaliza seu sentimento”, interveio Jovem Bi,
que até então só sorria sem dizer nada.
“Para
moldar bonecos também precisa de sentimentos?”, perguntou
Bochecha.
“Claro
que sim”, respondeu ela. “Cada obra de sucesso é um bebê do
artista.”
“Então
aquela rã-touro também é seu bebê?” Bochecha apontou para a
estátua no pátio.
Jovem
Bi ficou corada e parou de falar.
“Você
gosta tanto de bonecos de barro, prima?”, perguntou meu primo.
“Não
é do boneco de barro que ela gosta, mas de bebês de verdade”,
respondeu Bochecha.
“Que
tal trabalharmos juntos? Você pode ser nosso sócio também”, meu
primo disse, animado.
“Quer
que a gente crie rã-touro com vocês?”, perguntei. “Tenho
calafrios só de olhar para esses bichos.”
“Mas,
primo, não criamos só rã-touro, também…”
“Não
assuste seu primo”, interrompeu Bochecha, “vamos beber! Meu
irmão, ainda se lembra de como o presidente Mao educou a ‘juventude
instruída’? O campo é um mundo vasto no qual poderão desenvolver
plenamente suas potencialidades!”
Mo Yan, in As rãs
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