sexta-feira, 5 de abril de 2024

Os artistas da capital

O casalzinho visitante desceu da jardineira que vinha de Três Pontas. O jeito e as roupas indicavam que os dois eram de cidade grande, não eram de cidade vizinha. Perguntaram por um hotel ou pensão em que se hospedar. Explicaram que eram artistas e que estavam à procura de um teatro onde pudessem mostrar sua arte. Ao que tudo indica os hotéis que o Almanak mencionava não haviam prosperado, possivelmente por falta de hóspedes. Não havia. Ficaram lá os dois como almas perdidas, sem saber o que fazer. Como o meu pai era um dos homens mais importantes da cidade, dono do cinema, o jeito foi os dois se hospedarem na casa do Diano. Queriam dar um espetáculo de arte. Alugaram o cinema. Cidadezinha pequena, os homens entusiasmados com a loura, as mulheres com raiva da loura e raiva dos maridos de cabeça virada, era de todo improvável que alguém gastasse dinheiro com o espetáculo. O Diano imaginou os dois diante do auditório vazio. Ficou com dó. E tomou uma decisão de homem rico que pode jogar dinheiro fora: comprou de si mesmo a lotação total do teatro e distribuiu os bilhetes gratuitamente pela cidade. O teatro encheu. O espetáculo foi um sucesso. O casalzinho de artistas ficou encantado. Deixaram Dores felizes, carteira cheia. Nunca suspeitaram do que havia ocorrido. O nome do homem eu não sei. Mas o nome da mulher era Dercy Gonçalves. Até hoje ela não sabe. Eu sei porque quem me contou foi o Diano, meu pai.

Rubem Alves, in O Velho que Acordou Menino

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