O
casalzinho visitante desceu da jardineira que vinha de Três Pontas.
O jeito e as roupas indicavam que os dois eram de cidade grande, não
eram de cidade vizinha. Perguntaram por um hotel ou pensão em que se
hospedar. Explicaram que eram artistas e que estavam à procura de um
teatro onde pudessem mostrar sua arte. Ao que tudo indica os hotéis
que o Almanak mencionava não haviam prosperado, possivelmente por
falta de hóspedes. Não havia. Ficaram lá os dois como almas
perdidas, sem saber o que fazer. Como o meu pai era um dos homens
mais importantes da cidade, dono do cinema, o jeito foi os dois se
hospedarem na casa do Diano. Queriam dar um espetáculo de arte.
Alugaram o cinema. Cidadezinha pequena, os homens entusiasmados com a
loura, as mulheres com raiva da loura e raiva dos maridos de cabeça
virada, era de todo improvável que alguém gastasse dinheiro com o
espetáculo. O Diano imaginou os dois diante do auditório vazio.
Ficou com dó. E tomou uma decisão de homem rico que pode jogar
dinheiro fora: comprou de si mesmo a lotação total do teatro e
distribuiu os bilhetes gratuitamente pela cidade. O teatro encheu. O
espetáculo foi um sucesso. O casalzinho de artistas ficou encantado.
Deixaram Dores felizes, carteira cheia. Nunca suspeitaram do que
havia ocorrido. O nome do homem eu não sei. Mas o nome da mulher era
Dercy Gonçalves. Até hoje ela não sabe. Eu sei porque quem me
contou foi o Diano, meu pai.
Rubem Alves, in O Velho que Acordou Menino
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