sexta-feira, 5 de abril de 2024

Coloquial

Eu tracei um fugaz sinal de fumo sobre as Ilhas —
e estive nove anos parado num corredor
esperando que um funcionário lhe desse o visto.
Eu estive em Moscou — uns vinte e seis graus abaixo de zero —
entre a morte de Chernenko e a de Andropov —:
o aduaneiro gritou-me, como a um bandido,
em russo, naturalmente; e os que iam comigo
deram-lhe razão —
eu era, também para eles, suspeito,
e fizeram-mo saber, num espanhol muito claro,
naturalmente —; naquele momento quis ter suas asas,
mas isso não o entende a polícia do mundo,
e meteram-me num táxi
ente dois poetas das Tropas Especiais —;
eu repliquei “os nossos ministros somos nós” —:
o Adido Cultural olhou-me como se olha para um morto.
Eu morri a 20 de março de 1987.
Isto é, três anos depois desse olhar —
que me mortificou como uma Permissão de Saída.
Eu estive em Paris —
no Bicentenário da Revolução Francesa.
Caíram-me em cima quatro fuzilados de dentro
(falo de Cuba, já sabe),
vultos envoltos em jornais, e os outros,
os mortos de Tiananmen que já não veriam
as pirâmides que agora tinha o Louvre.
Eu estava só e louco e hirto —
e uma amiga falava-me da França Profunda.
Depois não sei, passaram-se tantas coisas.
Hoje trato de falar sem subterfúgios —
os esbirros olham-me com os olhos de uma vaca
suja. A minha mãe, que morreu cedo,
vem e diz-me baixo: “Não sabem que fazer contigo.”
Mas eles sim sabem-no;
seguramente me mostrarão os instrumentos —
isso, como a bomba de Cohen, faz parte da função:
nunca está obsoleto.

Ángel Escobar Varela, in Antologia da Poesia Cubana

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