E
lá estava. O filme rolava. Eu tomara uma surra do garçom no beco.
Como expliquei antes, tenho as mãos pequenas, o que é uma terrível
desvantagem numa briga de socos. Aquele garçom em particular tinha
umas mãos enormes. Para piorar ainda mais as coisas, eu encaixava
bem as porradas, o que me fazia absorver muito mais o castigo. Tinha
um pouco de sorte do meu lado: não era muito medroso. As brigas com
o garçom eram uma forma de passar o tempo. Afinal, a gente não
podia ficar sentado no tamborete do bar o dia e a noite todos. A dor
vinha na manhã seguinte, e não era tão ruim quando a gente tinha
conseguido voltar para o quarto.
E
brigando duas ou três vezes por semana eu ia ficando melhor naquilo.
Ou o garçom ficando pior.
Mas
isso fora mais de quatro décadas atrás. Agora eu me sentava numa
sala de projeção de Hollywood.
Não
é preciso lembrar o filme aqui. Talvez seja melhor falar de uma
parte que ficou de fora. Mais adiante, no filme, uma dona quer cuidar
de mim. Acha que eu sou um gênio e quer me proteger das ruas. No
filme eu só fico na casa da dona uma noite. Mas na vida real fiquei
cerca de um mês e meio.
A
dona, Tully, morava numa grande casa em Hollywood Hills. Dividia-a
com outra dona, Nadine. As duas eram altas executivas. Estavam no
ramo das diversões: música, editoração, uma coisa assim. Pareciam
conhecer todo mundo e davam duas ou três festas por semana, um monte
de tipos de Nova York. Eu não gostava das festas de Tully e me
divertia ficando totalmente de porre e insultando o máximo de
pessoas que pudesse.
Nadine
morava com um cara um pouco mais jovem que eu. Era compositor, ou
diretor, ou alguma coisa assim, temporariamente desempregado. Não
gostei dele de cara. Vivia esbarrando com ele pela casa ou no pátio
de manhã, quando estávamos ambos de ressaca. Ele sempre usava uma
porra de uma echarpe.
Uma
manhã, lá pelas 11 horas, estávamos os dois no pátio mamando umas
cervejas, tentando nos recuperar de nossas ressacas. Ele se chamava
Rich. Me olhou.
– Precisa
de outra cerveja?
– Claro...
Obrigado...
Ele
entrou na cozinha, voltou, me entregou minha cerveja e se sentou.
Tomou
uma boa golada. Depois deu um profundo suspiro.
– Não
sei por quanto tempo mais vou conseguir enrolar ela...
– Quê?
– Quer
dizer, eu não tenho talento nenhum. É tudo merda.
– Lindo
– eu disse – isso é realmente lindo. Eu admiro você.
– Obrigado.
E você? – ele perguntou.
– Eu
bato à máquina. Mas não é esse o problema.
– Qual
é?
– Estou
com o pau esfolado de tanto foder. Ela nunca se satisfaz.
– Eu
tenho de chupar Nadine toda noite.
– Nossa...
– Hank,
nós somos uma dupla de homens manteúdos.
– Rich,
essas mulheres liberadas puseram os bagos da gente num saco.
– Acho
que a gente devia entrar já na vodca – ele disse.
– Ótimo
– eu disse.
Nessa
noite, quando nossas donas chegaram, nenhum dos dois estava em
condições de cumprir seus deveres.
Rich
durou mais uma semana, e desapareceu.
Depois
disso, eu muitas vezes encontrava Nadine andando nua pela casa,
geralmente quando Tully havia saído.
– Que
diabos está fazendo? – perguntei finalmente.
– Isto
aqui é minha casa, e se eu quiser andar com o rabo tomando vento
isso não é da conta de ninguém.
– Vamos
lá, Nadine, que é que há realmente? Quer uma chupadinha?
– Nem
que você fosse o último homem da terra.
– Se
eu fosse o último homem da terra, você ia ter de entrar na fila.
– Fique
feliz por eu não contar pra Tully.
– Bem,
pare de andar por aí com a xoxota pendurada.
– Seu
porco!
Subiu
correndo a escada, plop, plop, plop. Um rabão. Uma porta bateu lá
em cima. Eu não prossegui com a coisa. Uma mercadoria totalmente
superestimada.
Nessa
noite, quando Tully voltou, me remeteu para Catalina por uma semana.
Acho que sabia que Nadine estava no cio.
Isso
não estava no filme. Não se pode pôr tudo num filme.
E
aí, voltando à sala de projeção, o filme acabara. Aplaudiram.
Todos saímos em volta apertando as mãos uns dos outros,
abraçando-nos. Éramos todos sensacionais, diabos, sim.
Harry
Friedman me encontrou. Nós nos abraçamos, depois apertamos as mãos.
– Harry
– eu disse –, você tem um vencedor!
– É,
é, um grande argumento! Escuta, eu soube que você escreveu um
romance sobre prostitutas.
– É.
– Quero
que me escreva um argumento sobre ele. Quero fazer!
– Claro,
Harry, claro...
Então
ele avistou Francine Bowers e correu para ela.
– Francine,
doçura, você estava magnífica!
Aos
poucos, as coisas foram se acalmando e a sala ficou quase vazia.
Sarah e eu saímos.
Lance
Edwards e seu carro haviam desaparecido. Tínhamos o longo percurso
de volta até o nosso carro. Tudo bem. A noite estava fresca e clara.
O filme acabara e logo estaria sendo exibido. Os críticos dariam sua
opinião. Eu sabia que se faziam filmes demais, um atrás do outro
atrás do outro. O público via tantos filmes que não sabia mais o
que era um filme e os críticos se achavam na mesma entalada.
E
então voltávamos para casa, em nosso carro.
– Eu
gostei – disse Sarah. – Só que teve umas partes...
– Eu
sei. Não é um filme imortal, mas é bom.
– É,
é, sim...
Estávamos
na autoestrada.
– Vou
ter prazer em ver os gatos – disse Sarah.
– Eu
também...
– Você
vai escrever outro argumento?
– Espero
que não...
– Harry
Friedman quer que a gente vá a Cannes, Hank.
– Quê?
E deixar os gatos?
– Ele
mandou levar os gatos.
– De
jeito nenhum!
– Foi
o que eu disse a ele.
Fora
uma boa noite, e outras haveria. Eu entrei na primeira saída e
paguei para ver.
Charles Bukowski, in Hollywood
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