Não
entendo nada de mulher, claro. Aliás, ninguém entende, nem mesmo
Freud, que, num momento de aparente exasperação, perguntou o que as
mulheres querem e morreu sem saber. Por sobre isso, mister se faz
ressalvar que as considerações a seguir são feitas apenas por um
amador, esforçadíssimo mas jamais um craque junto a elas, não
contando com a experiência de certos amigos meus (alguns já
finados, devem ter morrido disso), muito mais afeitos ao convívio
com o afamado Eterno Feminino. Para parco consolo nosso, creio que
minha condição é partilhada pela maioria dos cada vez mais
perplexos machos da espécie. Somos mais ou menos como torcedores de
futebol — temos teorias que julgamos irretorquíveis, mas bem
poucos somos bons de bola.
Sou
provocado a aventurar-me em terreno tão resvaladiço por causa das
notícias, cada vez mais frequentes, de moças que, na busca de
atingir o padrão de beleza vigente, caem vítimas de anorexia
nervosa e morrem. Ninguém gosta de saber desses acontecimentos
tristes, motivados pela ânsia de identificação com o modelo
hegemônico ou, mais patético ainda, pelo afã de ter sucesso numa
carreira equivocadamente julgada fácil, mas dificílima e
penosíssima, onde um número enorme de jovens se perde todos os
anos. Mas, claro, só aparecem as lindas e bem-sucedidas, cuja vida
para suas admiradoras é um mar de rosas de festas e glamour.
E
que padrão de beleza é esse, será mesmo o padrão, digamos,
“natural”, será de fato o preferido por homens e mulheres que
não estão comprometidos com o conhecido “Barbie look”? Quanto
às mulheres, massacradas sem clemência por gostosas irretocáveis
(na verdade retocadas pelo Photoshop), que não têm uma manchinha na
pele, uma estriazinha escondida, uma celulitezinha e ostentam dotes
de uma perfeição na verdade fictícia, não posso falar muito. Mas
quanto aos homens posso, porque ouço a opinião de muitos deles, e
não só saudosistas do modelo violão (em inglês “hourglass
look”, aparência de ampulheta), mas jovens também.
Em
primeiro lugar, devo afirmar enfaticamente, não por demagogia ou
qualquer interesse subalterno, mas em função de uma permanente
pesquisa sociológica informal, existe vasto e devotado mercado para
as gordinhas e até para as mais gordinhas do que as gordinhas. Meu
querido e finado amigo Zé de Honorina deplorava a “falta de carne”
da atualidade e a ausência de cintura que parece ser causada pela
malhação contemporânea e admirava com sincero fervor estético
certas enxúndias bem colocadas, em moças e senhoras que passavam
pelo largo da Quitanda, onde fazíamos ponto. Eu mesmo tenho uma
comadre gordinha, casada há décadas com um marido amantíssimo que
a conheceu bem gordinha e fica indignado quando ela perde um
quilinho.
Fatores
culturais também interferem nisso. Se apreciamos uma calipígia (da
bunda bela), as fronteiras com a esteatopígica (da bunda gordinha)
são tênues e a rapaziada do boteco qualifica de divinal o que as
americanas, que, para começo de conversa, não têm bunda nem para
pensar em concorrer com a brasileira e, portanto, tendem a desdenhar
o que não podem alcançar, consideram gorda. Mulher tem que ter
cintura, violão ou ampulheta não interessa, mas é vital a formosa
concavidade entre as costelas e as ancas. Creio mesmo que, consultada
a opinião pública, tanto de homens como de mulheres, mesmo as
descinturadas por uma malhação perversa, a maioria concordaria em
que mulher tem que ter cintura, faz parte da figura feminina, é
clássico, é até constituinte do doce mistério das mulheres. E há
muitas gordinhas, sim senhor, mantidas no modelo violão. Está bem,
violoncelo, mas com a cintura no lugar. E sei que as descinturadas,
conscientemente ou não, também sabem disso, porque noto, entre as
muito fotografadas, que elas procuram sempre posar curvando os
quadris para um lado, fingindo ainda ter a cintura insensatamente
perdida.
Agora,
para alegria dos violonófilos e cinturistas, chega evidência
científica de que o padrão esquelético ou Barbie nunca esteve com
nada, não deverá estar com nada no futuro e só está com alguma
coisa no presente devido a interesses de mercado circunstanciais. Diz
aqui numa revista científica que o dr. indiano Devendra Singh, da
Universidade do Texas, chefiando uma equipe que analisou centenas de
milhares de textos literários ocidentais, onde eles refletiam as
preferências estéticas de suas épocas, chegou à conclusão de que
a cintura, notadamente a cintura fina, sempre foi elogiadíssima nas
mulheres e tida como um elemento básico em sua beleza. Mais ainda, o
dr. Singh estudou detidamente os dois grandes épicos indianos
Mahabharata e Ramayana, além de poesia chinesa
clássica, e as referências à beleza das mulheres com cintura fina
são inúmeras.
A
tal ponto chegaram as pesquisas do dr. Singh, também diz aqui na
revista, que sua conclusão é de que o cérebro humano é
naturalmente programado (wired) para considerar a cintura,
principalmente a fina, como parte essencial da beleza feminina. E,
mais ainda, não se trataria de algo arbitrário na evolução da
espécie, mas relacionado com a saúde. As que têm cintura — a-ha!
— têm mais saúde. Isto sem dúvida abre horizontes quiçá
radiosos para muitos de nós, homens ou mulheres, hoje escravizados
pelo pensamento único imposto por estetas de meia-tigela. Os
modernos somos nós, os violonófilos; as antiquadas são as Barbies.
Espero que o país se una em torno do restabelecimento do legítimo
padrão nacional e que a mulher brasileira, pioneira natural
solertemente desviada por uma falsa modernidade colonizada, reassuma
sua estatuesca e inimitável majestade de Vênus tropical, das
cheinhas às magrinhas, todas com cintura e bunda, o Criador seja
louvado.
João Ubaldo Ribeiro, in O Rei da Noite
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