domingo, 24 de março de 2024

A contadora de filmes | [13]

 


Aquela narração, porém, não foi suficiente para me dar o título. Meu pai declarou empate: meu irmão Mirto e eu tínhamos sido os melhores. E como era um democrata convicto, disse que aquela questão ia ser resolvida através das urnas. E em votação secreta.
Mirto seria o candidato número 1.
Eu seria a candidata número 2.
Foram cortados quatro papeizinhos iguais, distribuídos entre os votantes (os candidatos não tinham direito a voto). Cada um escreveu o número do seu candidato e depois depositou o papelzinho num cone de papel.
E veio a contagem.
Dois votos para meu irmão e dois votos para mim (eu intuí que meu pai e Marcelino tinham votado em mim). Para desempatar, meu pai decidiu fazer o que era mais justo e razoável: nós dois iríamos, juntos, ver o próximo filme. E quem contasse melhor seria o vencedor.
Fomos então ver juntos um filme mexicano carregado de canções; se chamava Guitarras de medianoche e era com ninguém menos que Miguel Aceves Mejía e Lola Beltrán, duas das vozes que mais soavam nos bares do deserto. Meu irmão contou primeiro, e com a mesma graça de sempre. Principalmente quando imitava o sotaque mexicano.
Acontece que eu, que também dominava o tom da fala dos mexicanos (tantos tinham sido os filmes deles que eu tinha visto em minha curta vida), além de contar o filme descrevendo as paisagens e tudo, de repente desandei a cantar as canções interpretadas no filme (de tanto ouvir nos alto-falantes dos bares, sabia todas elas de cor). Eles, que nunca tinham me ouvido cantar, acharam estranho que eu cantasse. E que cantasse tão bem.
Até para mim foi uma surpresa.
Meu pai ficou deslumbrado. Principalmente quando cantei No soy monedita de oro, uma das suas canções favoritas. Foi quando o democrata se esqueceu de votos e plebiscitos e me declarou ganhadora absoluta.
E ponto final!” rugiu ele quando Mirto quis insinuar um protesto.

Hernán Rivera Letelier, in A contadora de filmes

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