A
Milton Campos
Os
romeiros sobem a ladeira
cheia
de espinhos, cheia de pedras,
sobem
a ladeira que leva a Deus
e
vão deixando culpas no caminho.
Os
sinos tocam, chamam os romeiros:
Vinde
lavar os vossos pecados.
Já
estamos puros, sino, obrigados,
mas
trazemos flores, prendas e rezas.
No
alto do morro chega a procissão.
Um
leproso de opa empunha o estandarte.
As
coxas das romeiras brincam no vento.
Os
homens cantam, cantam sem parar.
Jesus
no lenho expira magoado.
Faz
tanto calor, há tanta algazarra.
Nos
olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém
não percebe, o dia é de festa.
No
adro da igreja há pinga, café,
imagens,
fenômenos, baralhos, cigarros
e
um sol imenso que lambuza de ouro
o
pó das feridas e o pó das muletas.
Meu
Bom Jesus que tudo podeis,
humildemente
te peço uma graça.
Sarai-me,
Senhor, e não desta lepra,
do
amor que eu tenho e que ninguém me tem.
Senhor,
meu amo, dai-me dinheiro,
muito
dinheiro para eu comprar
aquilo
que é caro mas é gostoso
e
na minha terra ninguém não possui.
Jesus
meu Deus pregado na cruz,
me
dá coragem pra eu matar
um
que me amola de dia e de noite
e
diz gracinhas a minha mulher.
Jesus
Jesus piedade de mim.
Ladrão
eu sou mas não sou ruim não.
Por
que me perseguem não posso dizer.
Não
quero ser preso, Jesus ó meu santo.
Os
romeiros pedem com os olhos,
pedem
com a boca, pedem com as mãos.
Jesus
já cansado de tanto pedido
dorme
sonhando com outra humanidade.
Carlos Drummond de Andrade, in Antologia Poética
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