[...]
Quando
você não tem mais números no Nirvana então não vai mais haver
algo como “inumerável” mas as multidões na San Juan Letran
pareciam inumeráveis – Eu falo “Conte todos esses sofrimentos
daqui até o fim do céu infinito que não é céu e veja quantos
você pode somar para fazer um número que impressione o Chefe das
Almas Mortas na Fábrica de Carne na cidade Cidade CIDADE todos eles
sofrendo e nascidos para morrer, meditando nas ruas às duas da manhã
sob aqueles céus imponderáveis” – sua infinitude enorme, a
vastidão do platô mexicano distante da Lua vivendo mas para morrer,
sua canção triste que às vezes escuto no meu telhado no bairro de
Tejado, minha cela no telhado, com velas, à espera do meu Nirvana ou
de minha Tristessa – nenhum chega, ao meio-dia ouço “La Paloma”
tocada em rádios mentais nos vãos entre as janelas dos cortiços –
o menino maluco da porta ao lado canta, o sonho está acontecendo
agora mesmo, a música é tão triste, as trompas pulsam, os violinos
lamentando-se altos e o bracataca-tracacaca do apregoador Hispano
Índio. Vivendo mas para morrer, esperamos aqui nesta prateleira, e
lá em cima no céu está todo aquele caramelo de ouro aberto, abra
minha porta – o céu é o Sutra de Diamante.
Eu
sigo avançando bêbado e insensível, com os pés dando chutes acima
da camada de óleo vegetal Tehuantepec sobre a calçada, calçadas
verdes, cheias de vermes da escória invisíveis quando não estão
doidões – mulheres mortas escondidas em meu cabelo, passando por
baixo do sanduíche e da cadeira – “Você está maluco!” grito
em inglês para as multidões “Vocês não sabem que diabos estão
fazendo nesta torre de sino com a corda que balança ao movimento do
titereiro de Magadha, Mara, a Tentadora, insana... E você todo águia
e caça e compra – Você meio bêbado e se surpreende e mente –
Seus pobres camaradas protetores escorrendo por entre o desfile
suculento de Sua Noite na Rua Principal e você não sabe que o
Senhor organizou tudo à vista. Incluindo sua morte. E nada está
acontecendo. Não sou eu, você não é você, os inumeráveis eles
não são eles, e Um Eu Incontável não existe tal coisa.”
Rezo
aos pés do homem, à espera, como eles.
Como
eles? Como homem? Como ele? Não existe Ele. Há apenas a palavra
divina indizível. Que não é uma Palavra, mas um Mistério. Na raiz
do Mistério a separação de um mundo do outro por uma espada de
luz. –
Os
vencedores do jogo de beisebol desta noite ao ar livre enevoado perto
de Tacabatabavac estão comemorando ruidosamente na rua balançando
seus tacos de beisebol para a multidão mostrando como podem rebater
bem e a multidão caminha por lá despreocupada porque são crianças
não delinquentes juvenis. Eles puxam a aba dos bonés de beisebol
para baixo, sobre seus rostos, quando começa a chuviscar,
tamborilando com suas luvas eles se perguntam “Será que fiz uma
jogada ruim na quinta entrada? Será que não correspondi às
expectativas na sétima entrada?”
“No
fim de San Juan Letran há aquela última série de bares que termina
em uma névoa arruinada, terrenos cobertos de adobe quebrado, sem
vagabundos escondidos, só mato, sujeira, e a umidade de esgotos e
charcos, valas de metro e meio de profundidade nas ruas com o fundo
cheio de água – cortiços poeirentos contra a luz da cidade
próxima – Olho para as derradeiras portas de bar tristes, onde há
lampejos de mulheres, traseiros enfeitados com fitas douradas
reluzentes vejo e sinto chegar voando como um passarinho em voo
serpenteia. Há crianças na porta em roupas ridículas, a banda
emite um cha-cha-cha lamentoso lá dentro, todos balançam os joelhos
enquanto dançam e uivam com a música enlouquecida, todo o clube
está dançando, se acabando, um negro americano que estivesse
andando comigo poderia dizer “Esses caras estão viajando com
alguma coisa muito doida, estão se divertindo o tempo todo, eles
gemem, gastam todo o tempo batendo e batendo por esse pão, por essa
garota, eles estão em pé diante das portas, cara, todos lamentando
– sabia? Eles não sabem quando parar. É como Omar Khayan, eu me
pergunto se o que os taberneiros compram é pelo menos a metade
precioso do que eles que vendem.” (Meu garoto Al Damlette.)
Eu
desligo nesses últimos bares e começa a chover forte de verdade e
ando o mais rápido possível e entro em uma poça grande e saio dela
em um pulo todo molhado e pulo pra dentro outra vez e a atravesso –
A morfina evita que eu me sinta molhado, minha pele e meus membros
estão dormentes – como uma criança quando sai para patinar no
inverno, que cai através do gelo, corre para casa com os patins
embaixo do braço para não pegar um resfriado, eu continuo a abrir
caminho por entre a chuva Pan Americana e acima ouço o rugido
gigantesco de um avião da Pan American chegando para aterrissar no
Aeroporto da Cidade do México com passageiros vindos de Nova York em
busca de encontrar a outra ponta dos sonhos. Olho para cima no meio
da chuva e vejo suas caudas soltarem fogo – você não vai me ver
aterrissando sobre grandes cidades e tudo o que faço é agarrar o
lado do banco e sacudo conforme o piloto nos conduz com habilidade
para dentro de um acidente, uma colisão flamejante contra a lateral
de armazéns no bairro dos cortiços da Velha Cidade dos índios –
o quê? Com todos eles rá tá tá com revólveres nos bolsos abrindo
caminho por entre meus ossos brumosos à procura de algo feito de
ouro, e então os ratos roem você.
Eu
prefiro caminhar do que andar de avião, posso cair de cara no chão
e morrer assim. – Com uma melancia embaixo do braço. Mira.
Jack Kerouac, in Tristessa
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