“Gente
muito solta do que tem...”
Dos
navios que saíram de San Lúcar de Barrameda rumo à Florida, um foi
arrojado pela tempestade sobre as copas das árvores de Cuba e outros
o mar devorou em naufrágios sucessivos. Não correram melhor sorte
os barcos que os homens de Narváez e Cabeza de Vaca improvisaram com
camisas como velas e cordame de crinas de cavalo.
Os
náufragos, espectros despidos, tremem de frio e choram entre os
rochedos da ilha do Mau Fado. Chegam uns índios para trazer-lhes
água e peixes e raízes e ao vê-los chorar, choram com eles. Choram
rios os índios, e quanto mais dura a estrepitosa choradeira, mais
lástima os espanhóis têm de si.
Os
índios os conduzem à sua aldeia. Para que o frio não os mate, vão
acendendo fogos nos descansos do caminho. Entre fogueira e fogueira
os levam nos braços, sem deixá-los pôr os pés no chão.
Imaginam
os espanhóis que os índios os cortarão em pedaços e os jogarão
em um caldeirão, mas na aldeia continuam partilhando com eles a
pouca comida que têm. Conta Alvar Núnez Cabeza de Vaca que os
índios se escandalizam e ardem de fúria quando ficam sabendo que,
na costa, cinco cristãos se comeram uns aos outros, até que só
ficou um, que por ser um só não houve quem o comesse.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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