Tomazinho,
meu neto querido: você está aprendendo a falar. Sabe que meu nome é
vovô, palavra que você fala como pode, “uouô”. Com os
bracinhos você sabe falar mais. Braços estendidos na minha direção
querem dizer: “Vovô, me pega no seu colo e brinca comigo...”.
Bem que eu gostaria de pegá-lo nos meus braços e fazer com você o
que eu fazia com o seu pai, o seu tio, a sua tia. Eu os jogava para o
alto para pegá-los de novo... Eles gargalhavam de felicidade, sem
medo algum. Sabiam que eu era forte, que não os deixaria cair...
Riam pelo gostoso do “frio na barriga”. Até hoje os adultos
gostam de sentir “frio na barriga”, lançar-se no vazio com a
confiança de que algo, no vazio, não os deixará cair. Para isso
até inventaram brincadeiras perigosas e excitantes... Saltam de
paraquedas, saltam de asa-delta, saltam de pontes na direção do
abismo tendo os pés amarrados com cabos de borracha poderosos.
Mas
não tenho mais coragem de fazer com você o que eu fazia. Não
confio nos meus braços. Não confio no meu corpo. Não sou um
paraquedas confiável. O tempo passou, envelheci, fiquei fraco. Meus
passos ficaram trôpegos. Frequentemente preciso me apoiar em alguma
coisa para não cair. Por isso tenho medo de fazer o que seus
bracinhos pedem. Não o pego nos meus braços. Tenho medo de deixá-lo
cair.
Só
se eu estiver assentado. Assentado no meu colo você não cai. A
brincadeira é assim: com as minhas pernas cruzadas, a perna direita
sobre a perna esquerda, você montado sobre o meu pé direito, perna
balançando para cima e para baixo, você brinca de cavaleiro, meus
braços segurando os seus, você rindo, querendo sempre mais, e eu
cantarolando uma canção que sua bisavó, a Oma, cantava para os
netos, em alemão: “Hoppa Hoppa Reiter, wenn er fällt dann schreit
er, fällt er in den Sumpf, macht der Reiter plumps ...”. Não
importava que a gente e as crianças não entendessem as palavras em
alemão: a graça estava na brincadeira...
Toda
criança gosta de brincar de cavalinho. Procurando bem nas bagunças
das caixas de retrato, lá, em algum lugar, há uma foto do seu pai
montado num cavalinho de pau... Eu também tive um cavalinho de pau
que uma tia fez para mim, com um cabo de vassoura. O focinho do
cavalinho era feito de pano recheado, os olhos eram dois botões
pretos...
Mas
eu tenho medo de não ter tempo de ensinar a você os brinquedos com
que brinquei. Se você brincar como eu brinquei, você ficará com um
pedaço de mim quando eu partir. Um saquinho de bolas de gude, um
barco a vela, alguns piões, pipas, uma corda de pular e uma bola.
Depois de grande eu mesmo fiz um barquinho que soltei num riachinho
para nunca mais ver. Às vezes eu me lembro dele e me pergunto: “Onde
estará ele? Será que algum peixe grande o engoliu?”.
Escrevi
dois livros contando a minha vida: O velho que acordou menino e O
sapo que queria ser príncipe. Quando os escrevi, você ainda não
existia. Agora estou escrevendo o último. E agora você existe. E
vou colocar essa estória dentro dele para que todo mundo fique
sabendo que eu gosto muito de você. E se você tiver vontade de
andar a cavalo é porque estará com saudade da perna do seu avô...
Rubem Alves, in Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo
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