Altar
é um lugar onde os olhos, ao verem as coisas que se podem ver, veem
também outras. Meu altar é o meu jardim. No meu jardim eu me sinto
irmão das couves e jabuticabeiras. Meu corpo é também um filho da
terra. E é por isso que fico contente ao vê-lo feliz.
Fico
pasmado ao ver aquelas casas em que os jardins foram substituídos
por lajotões. Fazem isso para evitar a terra. Terra é sujeira.
Perderam a memória de suas origens. Preferem o cimento, aquilo com
que se fazem sepulturas.
Na
minha rua havia um ipê-roxo. Um dia passei lá e, para meu horror,
vi que tinham cortado uma cinta na sua casca, volta toda, para que
morresse: era cortar as veias de uma pessoa viva. As flores sujavam o
chão. Imagino que, se pudessem, plantariam no lugar uma árvore de
plástico. O ipê está morto. E com certeza a pessoa que o matou
está feliz por não mais ter que varrer a calçada.
Nascemos
da terra. Somos nada mais que a terra modificada, misturada com a
água, com o ar, com o fogo, como pensavam os filósofos de muitos
séculos atrás. Terra, pedaço do meu corpo, meu corpo além da
minha pele, seio em que me alimento, e se ele se secar, eu morro.
Pois é, são ideias como essas que me vêm à cabeça quando fico
ali diante do meu altar, minha horta, meu jardim.
Quando
chovia, depois de muito sol quente, meu pai gostava de ficar na
janela da casa velha, lá em Minas, vendo as plantas do quintal, cada
uma delas fazendo os gestos que sabia. Os tomateiros, hortelãs e
manjericão, exalando seus perfumes. As folhas de couve e de
espinafre, brincando de juntar gotas d’água, grandes e brilhantes.
As árvores e arbustos executando seus passos de dança, balançando
as folhas, sob os pingos que caíam. Ele olhava, sorria, baforava o
seu cachimbo e dizia: “Veja só como estão agradecidas”.
Fico
triste pensando que, morrendo, não estarei mais aqui para cuidar
dessas coisas e para dizer a elas que são belas. Gostaria que
houvesse alguém que delas cuidasse. Dizem que isso é bobagem.
Morreu, acabou. Mas por enquanto estou vivo, e não posso deixar de
pensar naqueles que tomarão o meu lugar. Desejo que as coisas que
amo continuem a ser amadas e cuidadas, mesmo depois da minha partida.
Alegria
é o que acontece com o corpo quando ele se encontra com aquilo que
desejava. Coisa simples e efêmera…
A
felicidade é discreta, silenciosa e frágil, como a bolha de sabão.
Vai-se muito rápido, mas sempre se pode assoprar outras.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba
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