Estivemos
lá alguns dias depois para umas tomadas à luz do dia, e logo depois
do almoço Jon nos localizou. Ainda não havíamos entrado no bar.
– Espere
– disse-me Jon –, o fotógrafo Corbell Veeker vai chegar a
qualquer momento. Quer fazer umas fotos de você, Jack e Francine.
Esse cara é mundialmente conhecido. É famoso pelas fotos de
mulheres, realmente dá muito glamour a elas...
Assim,
ficamos por ali, no beco atrás do bar. Havia ali uma mistura de luz
e sombra. Eu pensava numa longa espera, mas Corbell Veeker chegou em
cinco minutos. Tinha seus 55 anos, um rosto inchado, barriga grande.
Usava um lenço e uma boina. Trazia dois garotos, ambos com
equipamentos. Os garotos pareciam assustados e obedientes.
Fizeram-se
as apresentações.
Corbell
apresentou seus auxiliares.
– Este
é David...
– Este
é Williams...
Os
dois deram sorrisos.
Aí
chegou Francine.
– Ah,
ah, ah! – fez Corbell Veeker, ao correr para beijá-la.
Depois
recuou.
– Ora,
ora, ora... Ah! Ah! – balançava os braços. – É isso aí! É!
Haviam
jogado no beco um velho sofá escangalhado, que chamou a atenção
dele.
– Você
– olhou para mim –, você, senta ali naquele sofá...
Eu
me aproximei e me sentei no sofá.
– Agora,
Francine, sente no colo dele...
Francine
usava um vestido vermelho berrante com a saia aberta do lado. Sapatos
vermelhos, meias vermelhas e pérolas brancas. Sentou-se em meu colo.
Eu olhei em volta e pisquei para Sarah.
– É
isso aí! É!
– Minha
bunda dura está te machucando? – perguntou-me Francine.
– Não,
está tudo bem. Não se preocupe com isso.
– Câmera
número QUATRO! – berrou Corbell Veeker.
David
acorreu com a câmera número quatro e Corbell passou-a pelo pescoço,
caiu sobre um joelho... Houve um clique e um flash...
– ÓTIMO!
É! É!
Outro
clique, outro flash...
– É!
É!
Clique,
flash...
– FRANCINE,
ME DÊ MAIS PERNA! É ISSO AÍ! É! É!
Clique
e flash, clique e flash...
Ele
fotografava furiosamente, com paixão...
– FILME!
FILME! – berrou.
William
acorreu com nova carga de filme, inseriu-a na câmera, guardou o
filme batido numa caixa especial.
Corbell
caiu sobre os dois joelhos, focou, disse:
– MERDA,
EU NÃO QUERO ESTA CÂMERA! CÂMERA NÚMERO SEIS, POR FAVOR! JÁ! JÁ!
David
acorreu com a câmera número seis, afixou-a em Corbell Veeker, e
levou a câmera número quatro.
– MAIS
PERNA, FRANCINE! PARECE BOM! EU TE AMO, FRANCINE. VOCÊ É A ÚLTIMA
GRANDE ESTRELA EM HOLLYWOOD!
Clique,
flash... Clique, flash... outra vez... e outra vez... e outra vez.
Aí
chegou Jack Bledsoe.
– JACK,
VÁ PRO SOFÁ TAMBÉM! UM DE CADA LADO! É! É!
Clique,
flash... clique, flash...
– FILME!
FILME! – berrava Corbell.
As
fotos eram para uma revista colorida feminina de circulação muito
grande.
– TUDO
BEM, VOCÊS, CARAS, DEEM O FORA DO SOFÁ! QUERO FRANCINE SOZINHA!
Ele
a fez deitar-se ao comprido, o cotovelo apoiado no braço do sofá,
um braço jogado para trás, segurando um longo cigarro. Francine
estava adorando.
Clique,
clique, flash, flash...
A
última grande estrela de Hollywood.
Os
garotos acorriam com mais filme, novas câmeras... imagino que eles
achavam pior que trabalhar em posto de gasolina.
Aí
Corbell viu a cerca de arame.
– A
CERCA DE ARAME!
Fez
Francine recostar-se provocadoramente nela, com Jack Bledsoe de um
lado e eu do outro.
– ÓTIMO!
ÓTIMO!
Adorou
a ideia da cerca de arame e fez mais e mais fotos. A cerca deixara-o
ligadão. Talvez fosse o pano de fundo atrás da cerca.
Flash,
clique, flash, clique...
E
então, de repente, acabou.
– Muito
obrigado a vocês, todo mundo...
Tornou
a beijar Francine. Seus garotos se atarefavam embalando coisas,
reunindo coisas, numerando coisas. William tinha um caderno de notas
e anotava tudo: número da foto, tempo, tema, assunto, câmera e
filme usados.
Todo
mundo foi embora e Sarah e eu entramos no bar. Os bebuns de sempre
estavam lá. Agora eram astros de cinema e haviam desenvolvido uma
certa dignidade. Estavam mais calados, como se pensassem em grandes
coisas. Eu gostava mais deles do jeito antigo. O filme já estava
quase concluído e eu sentia um pouco ter perdido tantos dias de
filmagem, mas também, quando se é um apostador dos cavalinhos, tudo
mais tem de ceder.
Sarah
e eu estávamos indo devagar. Eu pedi uma cerveja e ela um vinho
tinto.
– Você
acha que algum dia fará outro argumento? – ela perguntou.
– Duvido.
A gente tem de fazer muita porra de concessão. E tem de pensar
através do olho da câmera. Será que o público vai entender? E
quase tudo irrita ou ofende um público de cinema, enquanto as
pessoas que leem romances e contos adoram ser irritadas e insultadas.
– Bem,
você é bom nisso...
Nesse
momento, Jon Pinchot entrou no bar. Sentou-se a meu lado, sorriu para
nós.
– Filho
da puta – disse.
– Que
é? – perguntou Sarah.
– O
filme foi cancelado de novo? – eu perguntei.
– Não,
isso, não... é outra coisa...
– Por
exemplo?
– Jack
Bledsoe se recusou a assinar a liberação das fotos que fizemos há
pouco...
– Quê?
– É,
um dos garotos de Corbell foi ao reboque dele com os papéis e ele se
recusou a assinar a liberação das fotos. Aí Corbell foi lá. A
mesma coisa.
– Mas
por quê? – eu perguntei. – Por que ele se deixou fotografar e
depois se recusa a assinar a liberação?
– Não
sei. Mas ainda podemos usar as fotos de você e Francine. Vocês vão
ver a próxima tomada?
– Claro...
– Eu
venho buscar vocês...
– Obrigado...
Sarah
e eu ficamos sentados pensando no caso. Creio que ela pensava no
caso. Quanto a mim, sei que pensava.
Concluí
que os atores eram diferentes de nós. Tinham seus próprios motivos.
Vocês sabem, quando se passa muitas horas, muitos anos fingindo ser
uma pessoa que não se é, bem, isso pode nos causar alguma coisa. Já
é duro bastante tentar ser a gente mesmo. Pensem em tentar muito ser
alguém que não se é. E depois ser outra pessoa que tampouco se é.
E depois outra. A princípio, vocês sabem, pode ser emocionante. Mas
depois de algum tempo, depois de a gente ser doze outras pessoas,
talvez seja difícil lembrar quem é mesmo, especialmente se a gente
teve de compor as próprias falas.
Imaginei
que Jack Bledsoe se perdera e concluíra que estavam fotografando
outra pessoa, e não ele, e que só lhe restava recusar-se a assinar
a liberação. Isso fazia sentido para mim. Decidi explicar a Sarah.
Observei-a
servir-se de vinho e acender um cigarro.
Depois
pensei, bem, talvez eu explique outra hora, e tomei uma grande golada
de minha cerveja, imaginando se iam usar algumas daquelas fotos de
Francine sentada com aquela bela bunda dura em meu colo na tal
revista feminina colorida…
Charles Bukowski, in Hollywood
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