Iam
filmar no beco. Era uma briga de beco entre o garçom e o bebum.
Fazia frio ali fora. Quase tudo estava pronto. Haveria dublês na
cena de briga para o garçom e Jack Bledsoe. Os closes mostrariam os
rostos deles, mas as cenas reais de briga seriam feitas com dublês.
Bledsoe
me avistou:
– Ei,
Hank, venha cá!
Eu
fui.
– Me
mostra seu estilo de briga.
Eu
circulei em volta dele, desferindo jabs de esquerda, e de vez em
quando avançava jogando esquerdas e direitas. Depois parei.
Expliquei as brigas daquele tempo.
– Na
verdade, não era muito bonito. A princípio, os caras se rodeavam
muito. Rodeavam e rodeavam. E aí a multidão dava em cima da gente e
um dos dois avançava. Acredito que, apesar da bebida, os socos eram
duros e brutais. Depois a gente recuava, media a situação e tornava
a atacar, jogando os punhos. Finalmente, tudo se resumia a ter mais
fibra que o outro cara. Só um podia vencer. E a briga nunca acabava
enquanto um dos dois não estivesse inconsciente. Era um bom
espetáculo, e de graça...
Aproximava-se
a hora da filmagem. Recuamos do beco e tomamos posição sem
atrapalhar. Nesse momento Harry Friedman surgiu com uma boneca de
Hollywood de peruca, cílios falsos e excesso de maquilagem. Os
lábios, pintados, tinham o dobro do tamanho, e os seios também.
Chegava igualmente o grande diretor Manz Loeb, que dirigira filmes
como O Homem Rato e Cabeça de Lápis. Junto com ele vinha a grande
atriz Rosalind Bonelli. Assim, tivemos de nos aproximar para as
apresentações. Loeb e Bonelli sorriam simpaticamente e eram
polidos, mas fiquei com a terrível sensação de que se sentiam
superiores a nós. Mas estava tudo bem, porque eu me sentia superior
a eles. Era assim que funcionava.
Voltamos
a nossas posições privilegiadas e começou a briga. Parecia
bastante brutal, desde o início. Só que em nossas brigas a
brutalidade chegava ao fim quando um dos lutadores estava vencido
(geralmente eu) e o outro cara não queria parar.
Outra
coisa sobre essas brigas. Se o cara não pertencia ao “Clube” dos
Garçons e perdia, era deixado lá com o lixo e os ratos. Havia
lembranças posteriores. Uma manhã, fui acordado pelo barulho de uma
buzina e os faróis de um caminhão em cima de mim. Era o caminhão
do lixo.
– EI,
CARA, SAI DA PORRA DA FRENTE! A GENTE QUASE ATROPELA VOCÊ!
– Oohh,
oh, desculpa...
Levantar-se
então, tonto, nauseado, espancado, tendendo para o sonho do
suicídio, com aqueles caras pretos, simpáticos e saudáveis,
interessados apenas em manter o horário e tirar o lixo dali.
Ou
então era a cabeça de uma negra que saía por uma janela:
– EI,
LIXO BRANCO, DÁ O FORA DA PORRA DA MINHA PORTA DOS FUNDOS!
– Sim,
senhora, desculpe, senhora...
E
o pior, ao recuperar a consciência no chão entre as latas de lixo,
dolorido demais para me mover mas sabendo que teria de fazê-lo, o
pior de tudo era a ideia: aposto que minha carteira desapareceu de
novo...
A
gente faz um jogo. Tenta sentir a pressão da carteira contra o rabo
sem apalpá-lo. A sensação é de vazio lá atrás. A gente na
verdade não deseja passar a mão, mas passa. E a carteira jamais
está lá. Então a gente consegue se levantar e procura em todos os
bolsos: nada de carteira, nunca. Fui ficando cada vez mais
desencorajado com a humanidade.
De
qualquer forma, a cena da briga acabou e Jon Pinchot se aproximou e
perguntou:
– Então?
– Não
exatamente.
– Por
quê?
– Bem,
nas nossas brigas, os gladiadores pareciam mais palhaços, brigavam
pra multidão. Um cara acertava e quase levantava o outro do chão
com um golpe, depois se voltava pra multidão e dizia: “Ei, que tal
esse, hem?”
– Faziam
teatro?
– É...
Jon
foi até os dublês e falou com eles. Os dois escutaram. Bom Jon
velho, provavelmente um dos primeiros diretores a ouvir diretamente o
escritor. Eu me sentia honrado. Minha vida dificilmente fora feliz,
agora parecia estar começando a ser. Eu precisava de um pouco disso.
Rodaram
a cena da briga de novo.
Fiquei
vendo, e confesso que senti uma fraqueza olhando aquele velho sonho.
Queria ser um deles, na luta de novo. Idiotice ou não, tinha vontade
de dar um soco na parede do beco. Nascido pra morrer.
Acabou.
Jon se aproximou.
– Então?
– perguntou.
– Eu
gostei...
E
foi isso aí.
Sarah
e eu voltamos ao reservado do bar.
Illiantovitch
se fora. O bar provavelmente ficara sem vodca. Sarah e eu pedimos e
Rick quis outro café.
– Esta
é uma das melhores noites que já tive – disse.
– Escuta,
Rick, você deve estar me gozando. Onde andou passando suas noites?
Ele
apenas sorriu para dentro de sua xícara de café. Era um homem
maravilhoso e inocente.
Francine
Bowers estava de volta com seu caderno de anotações.
– Como
foi que Jane morreu?
– Bem,
eu estava com outra pessoa nessa época. A gente tinha se separado
dois anos antes, e eu apareci pra visitar ela pouco antes do Natal.
Ela era criada num hotel, e muito popular. Todo mundo no hotel já
lhe dera uma garrafa de vinho. E lá no quarto dela tinha uma
prateleirinha que corria ao longo da parede logo abaixo do teto, e na
prateleira devia haver 18 ou 19 garrafas.
“– Se
você tomar essa bebida toda, e eu sei que vai, ela vai te matar!
Será que esse pessoal não vê isso?”
“Jane
apenas olhou pra mim.
“– Eu
vou tirar todas essas porras de garrafas daqui. Esse pessoal está
tentando matar você!”
“Também
dessa vez ela só olhou pra mim. Fiquei com ela nessa noite e bebi
três das garrafas, o que reduziu o número pra 15 ou 16. Pela manhã,
quando saí, disse a ela:
“– Por
favor, não beba isso tudo...”
“Voltei
uma semana e meia depois. A porta estava aberta. Não tinha mais
garrafas no quarto. Localizei ela no Hospital Municipal de L.A.
Estava em coma alcoólico. Fiquei lá sentado por um longo tempo, só
olhando pra ela, umedecendo os lábios dela com água, afastando os
cabelos dos olhos. As enfermeiras nos deixaram em paz. Aí, de
repente, ela abriu os olhos e disse:
“– Eu
sabia que seria você.”
“Três
horas depois, estava morta.”
– Ela
nunca teve uma verdadeira oportunidade – disse Francine Bowers.
– Não
queria. Foi a única pessoa que conheci que sentia o mesmo desprezo
que eu pela raça humana.
Francine
fechou seu caderno.
– Tenho
certeza de que isso tudo vai me ajudar...
E
foi-se.
E
Rick disse:
– Perdão,
mas estive estudando você a noite toda, e você não parece ser um
depravado.
– Nem
você, Rick – eu disse.
Charles Bukowski, in Hollywood
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