sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Hollywood | 37


Iam filmar no beco. Era uma briga de beco entre o garçom e o bebum. Fazia frio ali fora. Quase tudo estava pronto. Haveria dublês na cena de briga para o garçom e Jack Bledsoe. Os closes mostrariam os rostos deles, mas as cenas reais de briga seriam feitas com dublês.
Bledsoe me avistou:
Ei, Hank, venha cá!
Eu fui.
Me mostra seu estilo de briga.
Eu circulei em volta dele, desferindo jabs de esquerda, e de vez em quando avançava jogando esquerdas e direitas. Depois parei. Expliquei as brigas daquele tempo.
Na verdade, não era muito bonito. A princípio, os caras se rodeavam muito. Rodeavam e rodeavam. E aí a multidão dava em cima da gente e um dos dois avançava. Acredito que, apesar da bebida, os socos eram duros e brutais. Depois a gente recuava, media a situação e tornava a atacar, jogando os punhos. Finalmente, tudo se resumia a ter mais fibra que o outro cara. Só um podia vencer. E a briga nunca acabava enquanto um dos dois não estivesse inconsciente. Era um bom espetáculo, e de graça...
Aproximava-se a hora da filmagem. Recuamos do beco e tomamos posição sem atrapalhar. Nesse momento Harry Friedman surgiu com uma boneca de Hollywood de peruca, cílios falsos e excesso de maquilagem. Os lábios, pintados, tinham o dobro do tamanho, e os seios também. Chegava igualmente o grande diretor Manz Loeb, que dirigira filmes como O Homem Rato e Cabeça de Lápis. Junto com ele vinha a grande atriz Rosalind Bonelli. Assim, tivemos de nos aproximar para as apresentações. Loeb e Bonelli sorriam simpaticamente e eram polidos, mas fiquei com a terrível sensação de que se sentiam superiores a nós. Mas estava tudo bem, porque eu me sentia superior a eles. Era assim que funcionava.
Voltamos a nossas posições privilegiadas e começou a briga. Parecia bastante brutal, desde o início. Só que em nossas brigas a brutalidade chegava ao fim quando um dos lutadores estava vencido (geralmente eu) e o outro cara não queria parar.
Outra coisa sobre essas brigas. Se o cara não pertencia ao “Clube” dos Garçons e perdia, era deixado lá com o lixo e os ratos. Havia lembranças posteriores. Uma manhã, fui acordado pelo barulho de uma buzina e os faróis de um caminhão em cima de mim. Era o caminhão do lixo.
EI, CARA, SAI DA PORRA DA FRENTE! A GENTE QUASE ATROPELA VOCÊ!
Oohh, oh, desculpa...
Levantar-se então, tonto, nauseado, espancado, tendendo para o sonho do suicídio, com aqueles caras pretos, simpáticos e saudáveis, interessados apenas em manter o horário e tirar o lixo dali.
Ou então era a cabeça de uma negra que saía por uma janela:
EI, LIXO BRANCO, DÁ O FORA DA PORRA DA MINHA PORTA DOS FUNDOS!
Sim, senhora, desculpe, senhora...
E o pior, ao recuperar a consciência no chão entre as latas de lixo, dolorido demais para me mover mas sabendo que teria de fazê-lo, o pior de tudo era a ideia: aposto que minha carteira desapareceu de novo...
A gente faz um jogo. Tenta sentir a pressão da carteira contra o rabo sem apalpá-lo. A sensação é de vazio lá atrás. A gente na verdade não deseja passar a mão, mas passa. E a carteira jamais está lá. Então a gente consegue se levantar e procura em todos os bolsos: nada de carteira, nunca. Fui ficando cada vez mais desencorajado com a humanidade.
De qualquer forma, a cena da briga acabou e Jon Pinchot se aproximou e perguntou:
Então?
Não exatamente.
Por quê?
Bem, nas nossas brigas, os gladiadores pareciam mais palhaços, brigavam pra multidão. Um cara acertava e quase levantava o outro do chão com um golpe, depois se voltava pra multidão e dizia: “Ei, que tal esse, hem?”
Faziam teatro?
É...
Jon foi até os dublês e falou com eles. Os dois escutaram. Bom Jon velho, provavelmente um dos primeiros diretores a ouvir diretamente o escritor. Eu me sentia honrado. Minha vida dificilmente fora feliz, agora parecia estar começando a ser. Eu precisava de um pouco disso.
Rodaram a cena da briga de novo.
Fiquei vendo, e confesso que senti uma fraqueza olhando aquele velho sonho. Queria ser um deles, na luta de novo. Idiotice ou não, tinha vontade de dar um soco na parede do beco. Nascido pra morrer.
Acabou. Jon se aproximou.
Então? – perguntou.
Eu gostei...
E foi isso aí.
Sarah e eu voltamos ao reservado do bar.
Illiantovitch se fora. O bar provavelmente ficara sem vodca. Sarah e eu pedimos e Rick quis outro café.
Esta é uma das melhores noites que já tive – disse.
Escuta, Rick, você deve estar me gozando. Onde andou passando suas noites?
Ele apenas sorriu para dentro de sua xícara de café. Era um homem maravilhoso e inocente.
Francine Bowers estava de volta com seu caderno de anotações.
Como foi que Jane morreu?
Bem, eu estava com outra pessoa nessa época. A gente tinha se separado dois anos antes, e eu apareci pra visitar ela pouco antes do Natal. Ela era criada num hotel, e muito popular. Todo mundo no hotel já lhe dera uma garrafa de vinho. E lá no quarto dela tinha uma prateleirinha que corria ao longo da parede logo abaixo do teto, e na prateleira devia haver 18 ou 19 garrafas.
“– Se você tomar essa bebida toda, e eu sei que vai, ela vai te matar! Será que esse pessoal não vê isso?”
Jane apenas olhou pra mim.
“– Eu vou tirar todas essas porras de garrafas daqui. Esse pessoal está tentando matar você!”
Também dessa vez ela só olhou pra mim. Fiquei com ela nessa noite e bebi três das garrafas, o que reduziu o número pra 15 ou 16. Pela manhã, quando saí, disse a ela:
“– Por favor, não beba isso tudo...”
Voltei uma semana e meia depois. A porta estava aberta. Não tinha mais garrafas no quarto. Localizei ela no Hospital Municipal de L.A. Estava em coma alcoólico. Fiquei lá sentado por um longo tempo, só olhando pra ela, umedecendo os lábios dela com água, afastando os cabelos dos olhos. As enfermeiras nos deixaram em paz. Aí, de repente, ela abriu os olhos e disse:
“– Eu sabia que seria você.”
Três horas depois, estava morta.”
Ela nunca teve uma verdadeira oportunidade – disse Francine Bowers.
Não queria. Foi a única pessoa que conheci que sentia o mesmo desprezo que eu pela raça humana.
Francine fechou seu caderno.
Tenho certeza de que isso tudo vai me ajudar...
E foi-se.
E Rick disse:
Perdão, mas estive estudando você a noite toda, e você não parece ser um depravado.
Nem você, Rick – eu disse.

Charles Bukowski, in Hollywood

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