quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Glosação em apostilas ao hipotrélico


Epígrafe

Irreplegível — Este vocábulo se encontra em Bernardes, Nova Floresta, IV, 348, como tradução dum lat. irreplegibile, usado por Tomás Morus numa contenda com um pretensioso na corte de Carlos V, conforme conta o padre Jeremias Drexelio no seu Faetonte. Parece tratar-se de uma palavra hipotética, adrede inventada por Morus para pôr em apuros o contendor. Maximiano Lemos, Enciclopédia Portuguesa, Ilustrada, e Cândido de Figueiredo filiam ao lat. in e replere, encher, e dão ao vocábulo o sentido de insaciável, cuja impossibilidade Horácio Scrosoppi provou em suas Cartas Anepígrafas, págs. 73-80.”
Antenor Nascentes. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.

§ 1
Evidentemente os glossemas imprizido, sengraçante e antipodático não têm nem merecem ter sentido; são vacas mansas, aqui vindo só de propósito para não valer.

§ 2
À neologia, emprego de palavras novas, chamava Cícero “verborum insolentia”. Originariamente, insolentia designaria apenas: singularidade, coisa ou atitude desacostumada, insólita; mas, como a novidade sempre agride, daí sua evolução semântica, para: arrogância, atrevimento, atitude desaforada, petulância grosseira.

§ 3
Também ocorre a neologia nos psicopatas, nos delirantes crônicos principalmente. Dois exemplos recordo, de meus tempos médicos:
— “Estou estramonizada!” — queixava-se uma doente, de lhe aplicarem medicação excessiva.
— “Enxergo umas pirilâmpsias...” — dizia outro, de suas alucinações visuais.

§ 4
A maior glória desse (Félicien de) Champsaur, ficcionista que se extinguiu com pouco barulho, consiste, se não nos enganamos, em haver criado o vocábulo ‘arriviste’, que nós outros transportamos ao português ‘arrivista’, não sem escândalo das vestais do idioma.”
Agrippino Grieco. Amigos e Inimigos do Brasil.

§ 5
Houve também um tempo do galicismo. Dele é que nos vêm os termos “galicista”, “galicíparla”, “galiparla” e “galiparlista”... Nessa era, jacto (jato) significava apenas “arremesso, impulso, saída impetuosa de um líquido”. Alguém fez “ludopédio” contra o anglicismo futebol e o Dr. Estácio de Lima propôs um “anhydropodotheca” para substituir galocha.

§ 7
Por falar: duas esplêndidas criações da gíria popular merecem, s.m.j., imediata dicionarização e incorporação à linguagem culta: gamado (gamar, gamação etc.) e aloprado.

§ 8
Edmundo Barbosa da Silva. Embaixador, sertanejo, oxoniano e curvelano, da beira do Bicudo; e gentleman farmer, gentilhomme campagnard, gentil-homem principalmente. Dono da Fazenda-da-Pedra, entre São Fidélis e Campos.

§ 9
Informação do Dr. Camilo Ermelindo da Silva, que, aliás, quando passávamos por Dourados, vindo da fronteira com o Paraguai, deu-nos um dos almoços mais lautos e lúcidos de nossa lembrança.

Pós-escrito:

Confira-se o de Quintiliano, sobre as palavras:
Usitatis tutius utimur, nova non sine quodam periculo fingimus. Nam si recepta sunt, modicum laudem adferunt orationi, repudiata etiam in iocos exeunt. Audendum tamen; namque, ut Cicero ait, etiam quae primo dura visa sunt, usu molliuntur.”

(“O mais seguro é usar as usadas, não sem um certo perigo cunham-se novas. Porque, aceitas, pouco louvor ao estilo acrescentam, e, rejeitadas, dão em farsa. Ousemos, contudo; pois, como Cícero diz, mesmo aquelas que a princípio parecem duras, vão com o uso amolecendo.”)

Guimarães Rosa, in Tutameia

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