Eu
ia para Araxá, isto foi em 1936, ia fazer uma reportagem para um
jornal de Belo Horizonte. O trem parou numa estação, ficou parado
muito tempo, ninguém sabia por quê.
Saltei
para andar um pouco lá fora. Fazia um mormaço chato. Vi uma porção
de cascas de árvores. Perguntei o que era aquilo, e me responderam
que eram cascas de barbatimão que estavam ali para secar. Voltei
para meu assento no trem e ainda esperei parado algum tempo. A certa
altura peguei um lápis e escrevi no meu caderno: “Cascas de
barbatimão secando ao sol.”
Perguntei
a algumas pessoas para que serviam aquelas cascas. Umas não sabiam;
outras disseram que era para curtir couro, e ainda outras explicaram
que elas davam uma tinta avermelhada muito boa.
Como
repórter, sempre tomei notas rápidas, mas nunca formulei uma frase
assim para abrir a matéria — “cascas de barbatimão secando ao
sol”. Não me lembro nunca de ter aproveitado esta frase. Ela não
tem nada de especial, não é de Euclides da Cunha, meu Deus, nem de
Machado de Assis; podia ser mais facilmente do primeiro Afonso
Arinos, aquele do buriti. Ela me surgiu ali, naquela estaçãozinha
da Oeste de Minas, não sei se era Divinópolis ou Formiga.
Um
dia, quando eu for chamado a dar testemunho sobre a minha jornada na
face da terra, que poderei afirmar sobre os homens e as coisas do meu
tempo? Talvez me ocorra apenas isto, no meio de tantas fatigadas
lembranças: “cascas de barbatimão secando ao sol”.
Rubem Braga, in Recado de primavera
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