terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

A morte de um presidente

Há cerca de dez dias deitei-me muito tarde. Havia estado aguardando uns despachos muito importantes... Logo em seguida comecei a sonhar. Parecia envolver-me a rigidez da morte. Escutei soluços sufocados, como se várias pessoas estivessem chorando. No sonho, saí da cama e lancei-me escadas abaixo.
Ali o silêncio era rompido por idênticos soluços, porém os que sofriam eram invisíveis. Caminhei de quarto em quarto. Não havia ninguém a vista e os lamentos me seguiam enquanto caminhava.
As salas estavam iluminadas, os objetos me eram familiares; mas onde estava esta gente cujos corações pareciam estar a ponto de rebentar de aflição?
Invadiram-me a confusão e o medo. Que significava tudo isto?
Decidido a descobrir as causas desta situação tão chocante e misteriosa, segui até a Sala Oriental. Encontrei-me aí com uma surpresa perturbadora. Em um cadafalso se achava um cadáver envergando vestimentas funerárias. Ao seu redor, soldados de guarda, e um indígena que olhava com tristeza o corpo que ali jazia, cujo rosto estava oculto por um lenço. Outros choravam com profundo pesar.
Quem foi que morreu na Casa Branca?, perguntei a um dos soldados.
O presidente — respondeu-me ele. Foi morto por um assassino.

Anotado por Ward Hill Lamon, chefe de polícia do distrito de Columbia, que se encontrava presente quando Abraham Lincoln narrou a um grupo de amigos, na Casa Branca, um sonho que tivera em uma das noites anteriores e pouco antes de ser mortalmente baleado na cabeça, dentro do Teatro Ford, de Washington (14 de abril de 1865) por John Wilkes Booth.

Jorge Luís Borges, in Livro de Sonhos

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