domingo, 11 de fevereiro de 2024

A Contadora de Filmes


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Nós não fazíamos como as outras pessoas, que esperavam os acordes da marcha que indicava o começo da sessão para entrar feito manada na sala. A gente gostava de chegar cedo e esperar o filme lá dentro.
Eu ficava fascinada com o vazio da sala do cinema na penumbra; parecia uma espécie de caverna misteriosa, secreta, sempre inexplorada. Ao atravessar as pesadas cortinas de veludo me dava a sensação de passar da crueza do mundo real a um maravilhoso mundo mágico.
Nós nos sentávamos na primeira fila, quase grudados naquela enorme telona branca que para mim era como o altar-mor de uma igreja. O auge daquele ritual todo acontecia no maravilhoso instante em que as luzes se apagavam, as cortinas da entrada eram fechadas, a música silenciava e a tela se enchia de vida e de movimento.
Eu ficava como suspensa no ar.
Era esse o clímax do estranho sortilégio que o cinema exercia em mim. Em mim e na minha mãe. Agora eu sei disso. A diferença entre nós duas e meu pai e meus irmãos era que eles apenas gostavam de cinema; nós ficávamos enlouquecidas.
Ao apagar das luzes todos se endireitavam e ficavam duros na frente da tela. Eu não. Eu virava a cabeça para ver aparecer o raio de luz que saía pelas janelinhas do quartinho de projeção e percorria o espaço sobre nós até se chocar com a tela e explodir em imagens e sons. E muitas vezes, quando o filme não era interessante de verdade do jeito que eu esperava (muita conversa e pouca ação), eu deixava de ver a tela para contemplar, encantada, aquele feixe mágico de pó luminoso. Eu achava um prodígio que aquele jorro de luz pudesse transportar coisas tão impressionantes como trens perseguidos por índios a cavalo, barcos de piratas em mares de tormenta e dragões verdes exalando fogo por suas sete cabeças.
E naquele tempo eu pensava que por ali fluía também a voz, o estampido dos tiros, as canções tão bonitas dos mariachis dos filmes mexicanos. Depois, aprendi que não. Também aprendi muitas outras coisas, algumas assim mais técnicas, como, por exemplo, que eram 24 quadros por segundo – ou fotogramas – aquilo que passava diante dos olhos dos espectadores para dar a ilusão de movimento.
Não sabia para quê aquele tipo de sabedoria iria me servir, mas eu queria saber tudo de cinema. Isso aconteceu quando dei para ler as revistas Écran que descobri na biblioteca do povoado da Mina.
Eu lia feito uma desmiolada.
Mas não quero me antecipar, porque isso foi depois que me transformei em contadora de filmes.

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes

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