quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Os Nascimentos | 1526 – Toledo

O tigre americano

Pelos arredores do alcazar de Toledo, o domador passeia com o tigre que o rei recebeu do Novo Mundo. O domador, lombardo de largo riso e bigodes de ponta, leva-o pela corda, como um cachorrinho, e o jaguar desliza pelo cascalho com passos de algodão.
Gonzalo Fernández de Oviedo sente o sangue gelar. De longe, grita ao guardião que não se fie, que não dê conversa à fera, que tais animais não são para estar entre gentes.
O domador ri, solta o jaguar e acaricia seu lombo. Oviedo chega a escutar o profundo rosnar. Bem sabe ele que esse grunhido significa reza ao demônio e ameaça. Um dia não distante, este confiado domador cairá na emboscada. Estenderá a mão para acariciar o tigre e de um golpe veloz será engolido. Acreditará este infeliz que Deus deu ao jaguar garras e dentes para que um domador lhe sirva a comida em horas fixas? Nunca nenhum de sua linhagem comeu chamado à mesa por um sino, nem teve outra regra além da de devorar. Oviedo olha o lombardo sorridente e vê um montinho de carne picada entre quatro círios.
Cortai-lhe as unhas! – aconselha, afastando-se. – Tirai-lhe as unhas pela raiz, e todos os dentes!

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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