O
tigre americano
Pelos
arredores do alcazar de Toledo, o domador passeia com o tigre que o
rei recebeu do Novo Mundo. O domador, lombardo de largo riso e
bigodes de ponta, leva-o pela corda, como um cachorrinho, e o jaguar
desliza pelo cascalho com passos de algodão.
Gonzalo
Fernández de Oviedo sente o sangue gelar. De longe, grita ao
guardião que não se fie, que não dê conversa à fera, que tais
animais não são para estar entre gentes.
O
domador ri, solta o jaguar e acaricia seu lombo. Oviedo chega a
escutar o profundo rosnar. Bem sabe ele que esse grunhido significa
reza ao demônio e ameaça. Um dia não distante, este confiado
domador cairá na emboscada. Estenderá a mão para acariciar o tigre
e de um golpe veloz será engolido. Acreditará este infeliz que Deus
deu ao jaguar garras e dentes para que um domador lhe sirva a comida
em horas fixas? Nunca nenhum de sua linhagem comeu chamado à mesa
por um sino, nem teve outra regra além da de devorar. Oviedo olha o
lombardo sorridente e vê um montinho de carne picada entre quatro
círios.
– Cortai-lhe
as unhas! – aconselha, afastando-se. – Tirai-lhe as unhas pela
raiz, e todos os dentes!
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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