Capítulo
107 – Bilhete
“Não
houve nada, mas ele suspeita alguma coisa; está muito sério e não
fala; agora saiu. Sorriu uma vez somente, para nhonhô, depois de o
fitar muito tempo, carrancudo. Não me tratou mal nem bem. Não sei o
que vai acontecer; Deus queira que isto passe. Muita cautela, por
ora, muita cautela.”
Capítulo
107 – Que Se Não Entende
Eis
ai o drama, eis ai a ponta da orelha trágica de Shakespeare.
Esse
retalhinho de papel, garatujado em partes, machucado das mãos, era
um documento de análise, que eu não farei neste capitulo, nem no
outro, nem talvez em todo o resto do livro. Poderia eu tirar ao
leitor o gosto de notar por si mesmo a frieza, a perspicácia e o
ânimo dessas poucas linhas traçadas pressa; e por trás delas a
tempestade de outro cérebro, a raiva dissimulada, o desespero que se
constrange e medita, porque tem de resolver-se na lama, ou nas
lágrimas?
Quanto
a mim, se vos disser que li o bilhete três ou quatro vezes, naquele
dia, acreditai-o, que é verdade; se vos disser mais que o reli no
dia seguinte, antes e depois do almoço, podeis crê-lo, é a
realidade pura. Mas se vos disser a comoção que tive, duvidai um
pouco da asserção, e não a aceiteis sem provas. Nem então, nem
ainda agora cheguei a discernir o que experimentei. Era medo, e não
era medo; era dó e não era dó; era vaidade e não era vaidade;
enfim, era amor sem amor, isto é, sem delírio; e tudo isso dava uma
combinação assaz complexa e vaga, uma coisa que não podereis
entender, como eu não entendi. Suponhamos que não disse nada.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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